VIDA E DOUTRINA CRISTÃ

A BUSCA PELO POVO DE DEUS — PARTE 6

Paulo em Atenas

“Pois, andando pela cidade, observei cuidadosamente seus objetos de culto e encontrei até um altar com esta inscrição: AO DEUS DESCONHECIDO. Ora, o que vocês adoram, apesar de não conhecerem, eu lhes anuncio.” — Atos 17:23 —

QUANDO PAULO repentinamente precisou deixar seus recém-encontrados irmãos de Tessalônica e Bereia para escapar da violência de uma turba e das ameaças à sua vida, provocadas por seus inimigos, ele foi levado em segurança por seus amigos até uma cidade portuária onde embarcou para Atenas. Quando partiu, Paulo deixou a obra com Timóteo e Silas, que ficaram na Macedônia, até que o trabalho fosse terminado em Tessalônica e Bereia e então se juntassem a ele em Atenas. (Atos 17:13-15) Embora Paulo tenha partido repentinamente de Bereia, parece que Silas permaneceu lá, ao passo que sabemos que Timóteo foi a Tessalônica, como afirmado na carta de Paulo aos Tessalonicenses. (1 Tes. 3:1, 2; Atos 17:14) O registro de Lucas indica que Timóteo e Silas, talvez devido à grande quantidade de trabalho ainda por fazer na Macedônia, não se encontraram com Paulo em Atenas, como havia sido planejado, mas em Corinto, que seria a próxima parada de sua jornada. — Atos 18:1, 5

Atenas não parecia fazer parte da viagem originalmente organizada de Paulo em busca de um povo para o nome de Deus. Ele foi para lá principalmente porque a perseguição o conduziu naquela direção, e ele não esperava permanecer mais tempo do que o necessário. O registro bíblico, de fato, apenas menciona essa breve parada em Atenas, e nenhuma visita de retorno de Paulo ou de seus associados.

UMA CIDADE DE IDOLATRIA

No entanto, enquanto esperava por seus companheiros em Atenas, Paulo não ficou ocioso. No início, ele percorreu a cidade, onde viu seus muitos ídolos pagãos. Atenas era a cidade mais famosa da Grécia antiga para o aprendizado, as artes, a ciência, a música, a cultura e a filosofia. Poucos séculos antes, Alexandre, o Grande, havia conquistado grande parte do mundo, ajudando a estabelecer o poderoso Império Grego. Atenas tornou-se a cidade mais proeminente do mundo, e foi considerada a capital do império. Agora, ela havia cedido esse título a Roma. No entanto, ainda manteve sua reputação como um grande centro cultural. Muitos homens e filósofos instruídos eram de Atenas, incluindo Aristóteles, Platão, Sócrates, Sófocles e Demóstenes.

À medida que Paulo atravessava a cidade, olhava para os templos, altares e estátuas, e ficou horrorizado com a idolatria que encontrou. (Atos 17:16) Segundo se dizia, uma pessoa podia ficar parada em qualquer ponto da cidade e ainda assim avistar seus inúmeros templos, altares e estátuas de deuses. Atenas era um paradoxo. Ela se orgulhava de ter o maior patrimônio cultural e intelectual do mundo; mas ainda assim, era a cidade mais idólatra de todas. O número de deuses que os atenienses adoravam é desconhecido. As estimativas dos historiadores variam de centenas a dezenas de milhares. Independentemente do número, no entanto, fica claro que a religião, seja baseada em teologia ou mitologia, foi explorada em pedra, prata e ouro.

Ao caminhar pela cidade, ele encontrou a sinagoga local, onde parou a fim de persuadir os judeus. A Bíblia não diz se ele foi aceito ou encontrou oposição por parte dos judeus. É possível que os judeus de lá tivessem sido bastante influenciados pela sabedoria do mundo, e, por isso, deve ter encontrado poucos que que reagiram positivamente à verdadeira religião. Esses judeus talvez estivessem mais inclinados a debaterem as filosofias da época do que conversar sobre as Escrituras. Paulo também procurou pessoas religiosas, e conseguiu encontrá-las no mercado. Por ser fluente em grego, Paulo poderia raciocinar bem com essas pessoas, informando-as sobre Jesus e a ressurreição. Lucas registra esses encontros, dizendo que Paulo argumentou na “sinagoga com judeus e com gregos tementes a Deus, bem como na praça principal, todos os dias, com aqueles que por ali se encontravam.” — v. 17

PREGADOR DE “DEUSES ESTRANHOS”

Os esforços de Paulo não foram restritos a uma região nem secretos. Logo, homens em todas as partes de Atenas ouviram falar de suas discussões. O registro afirma que “alguns dos filósofos epicureus e estoicos contendiam com ele; e uns diziam: Que quer dizer este paroleiro? E outros: Parece que é pregador de deuses estranhos; porque lhes anunciava a Jesus e a ressurreição.” (Atos 17:18) O costume que os atenienses tinham de gastar o tempo livre discutindo as novidades filosóficas ajudou Paulo em seus esforços para divulgar as boas novas. Lucas nos informa: “Todos os atenienses e estrangeiros que ali viviam não cuidavam de outra coisa senão falar ou ouvir as últimas novidades.” — v. 21

Alguns historiadores acreditam que foram aprovadas leis que proibiam a introdução de mais deuses na região, especialmente se não tivessem origem na filosofia ou mitologia grega ou romana. Embora isso não seja dito no relato de Lucas sobre Paulo em Atenas, Atos 16:20, 21 dão indícios de que esse poderia ter sido o caso em Filipos, onde Paulo e Silas foram presos. Ali, as autoridades locais alegaram que eles estavam ‘propagando costumes que não podiam receber, nem praticar, porque eram romanos’.

ORIGENS DE DEUSES ANTIGOS

Podemos nos perguntar sobre o grande número de deidades que os antigos gregos, romanos e outros povos do mundo tiveram, e que constituíam a base da mitologia daquela época. Havia um padrão semelhante entre essas deidades. Cada deus ou deusa tinha uma função diferente, mas principalmente tinha que ver com controlar os elementos naturais e os aspectos fundamentais da vida na Terra. Acreditava-se que as divindades gregas viviam no topo do Monte Olimpo, ou, às vezes, no ar acima dele, mas eram livres para andarem pelo mundo à vontade. Embora Zeus fosse o líder de todos os deuses deles, havia muitos outros, e alguns dos mais conhecidos são Apolo, Ártemis, Ares, Afrodite, Atena e Poseidon.

É provável que tal diversidade de deuses e a mitologia relacionada tenham sua origem nas façanhas dos seres poderosos que vieram à Terra antes do Dilúvio. Algumas das criações angélicas assumiram a forma humana e se casaram com as filhas dos homens, produzindo uma raça híbrida que contribuiu para o aumento da maldade na Terra. (Gênesis 6:1-5) A mitologia grega reflete isso, falando de deuses indo à Terra, casando-se com virgens atraentes e gerando filhos que realizaram grandes façanhas. O número de deidades e a mitologia relacionada aumentaram à medida que os relatos sobre os dias de Noé passaram de uma geração para outra. É digno de nota que esses “deuses estranhos”, como eles são chamados em Atos 17:18, 22, na língua grega são identificados pela palavra “daimónion”, que é a raiz grega da palavra “demônio”. Essa é outra indicação de que essa adoração mitológica provavelmente começou com os anjos caídos, ou demônios, dos dias de Noé.

PAULO É LEVADO PERANTE A SUPREMA CORTE

Quando a pregação de Paulo sobre a ressurreição de Jesus chegou aos ouvidos dos epicureus e estoicos, dois grupos principais de filósofos, eles decidiram levá-lo perante o Areópago — a suprema corte de Atenas. Eles disseram sobre Paulo: “Parece que é um pregador de deuses estranhos.” Então eles perguntaram a ele: “Podemos saber que novo ensino é esse que você está anunciando? Você está nos apresentando algumas ideias estranhas, e queremos saber o que elas significam.” — Atos 17:18-20

Pode parecer que Paulo estava apenas sendo solicitado a explicar seus ensinamentos. No entanto, se isso fosse verdade, eles poderiam tê-lo ouvido facilmente no mercado onde o encontraram. Suas declarações sobre Paulo não eram de cortesia — chamando-o de “paroleiro”, que significa “apanhador de sementes”, isto é, alguém que repetia migalhas de conhecimento, um tagarela com palavras vazias. Esses filósofos também pareciam estar céticos sobre o que ele estava pregando, apesar de terem opiniões religiosas muito diferentes entre si, e, como a maioria dos atenienses, adoravam muitos deuses. Assim, a audiência de Paulo era provavelmente um julgamento por ele ter pregado coisas aos atenienses que, até agora, nunca tinham ouvido falar.

Os epicureus acreditavam que o mundo havia sido feito por acaso, e que não há providência, nem ressurreição, nem imortalidade, e o prazer é o principal bem da vida. Os estoicos, por outro lado, tinham uma filosofia que afirmava que tudo o que existe é natural e controlado pela vontade divina, e que tudo deve ser calmamente aceito sem paixão, tristeza ou alegria. Segundo o ponto de vista deles, a “força” era um princípio de modelagem que é unido à matéria para ser a influência universal que permeia tudo e se torna a razão e a alma da criação animada.

Os defensores de ambas as filosofias presumiram que os ensinamentos de Paulo eram contrários aos deles quando ele introduziu a ideia da ressurreição. Se foi isso, eles provavelmente pensaram que a lei que proibia a introdução de novos deuses poderia ser usada para impedir que ele continuasse pregando. Não sabemos qual seria a penalidade se o Areópago tivesse decidido que Paulo era culpado de infringir tal lei. Independentemente de suas perspectivas, ele não estava em um ambiente amigável.

O DEUS “DESCONHECIDO”

Durante o tempo em que andou por Atenas, Paulo leu muitas das inscrições sobre os vários altares, templos e estátuas. Ele observou um altar em particular, no qual as palavras “AO DEUS DESCONHECIDO” haviam sido escritas. Preocupados com não negligenciar nenhuma deidade, os atenienses erigiram esse altar especial. Paulo desenvolveu sua defesa em torno da existência desse altar a um “deus desconhecido”.

Paulo, em pé diante da suprema corte e de uma multidão de atenienses que haviam se reunido na Colina de Marte, começou a falar. Lucas descreve a cena da seguinte maneira: “Estando Paulo no meio do Areópago, disse: Homens atenienses, em tudo vos vejo um tanto supersticiosos; porque, passando eu e vendo os vossos santuários, achei também um altar em que estava escrito: AO DEUS DESCONHECIDO. Esse, pois, que vós honrais, não o conhecendo, é o que eu vos anuncio.” — Atos 17:22, 23

Na tradução da Diaglott (em inglês), as palavras introdutórias de Paulo são: “Vocês são extremamente devotados ao culto de demônios.” Outras traduções suavizam essa afirmação traduzindo a passagem assim: “Sois excepcionalmente religiosos” ou “vos vejo um tanto supersticiosos”. No entanto, a palavra grega aqui, bem como no versículo 18, tem como raiz o equivalente à palavra portuguesa “demônio”.

Podemos achar estranho que Paulo tenha sido tão contundente. Se ele estivesse falando com judeus, eles teriam sido insultados. No entanto, quando Paulo descreveu a religião dos gregos como centrada na adoração dos demônios, entenderam que isso era correto e, portanto, não se sentiram insultados. A palavra demônio, traduzida em suas várias formas gregas, não tinha uma má conotação para os gregos — significava “Deus”. O notável filósofo Platão usou uma forma dessa palavra que significava “conhecer”. Somente bem mais tarde é que os gentios, por meio da influência generalizada do cristianismo, começaram a usar essa palavra para denotar espíritos malignos e anjos caídos.

O SUPREMO CRIADOR

Quando Paulo contou àqueles reunidos na Colina de Marte que seu Deus desconhecido era o único Deus verdadeiro, ele usou a palavra grega theos, que era usada para se referir à suprema divindade. Ao informar aos atenienses sobre esse Criador Supremo do Universo, deixou claro que nunca poderiam fazer uma representação física dele, de ouro, prata ou pedra, para colocar no templo. Eles não poderiam criar esse Deus com suas mãos. Na realidade, o contrário era verdadeiro. Paulo disse: “O Deus que fez o mundo e tudo que nele há, sendo Senhor do céu e da terra, não habita em templos feitos por mãos de homens; nem tampouco é servido por mãos de homens, como que necessitando de alguma coisa; pois ele mesmo é quem dá a todos a vida, e a respiração, e todas as coisas.” — Atos 17:24, 25

Esse poderoso Criador era responsável por todas as formas de vida na Terra, e toda a vida dependia dele. Eles não tinham Deus nas mãos — ele, Deus, é quem os tinha nas mãos. Paulo disse que esse Deus Supremo “de um só sangue fez toda a geração dos homens, para habitar sobre toda a face da terra, determinando os tempos já dantes ordenados, e os limites da sua habitação; para que buscassem ao Senhor, se porventura, tateando, o pudessem achar; ainda que não está longe de cada um de nós; porque nele vivemos, e nos movemos, e existimos”. Mesmo alguns poetas gregos, disse Paulo, falaram desse modo, acreditando que somos todos progênie de Deus. — vs. 26-28

Nós nos maravilhamos com o grande tato e lógica de Paulo ao apresentar seu caso, e quão bem ele usou os ensinamentos de alguns de seus escritores respeitados, construindo sobre eles a estrutura do plano de Deus. Por serem progênie de Deus, Paulo raciocinou com eles, ninguém da humanidade poderia fazer esculturas ou imagens de ouro, prata ou pedra para se parecer com Deus, ou para serem adoradas como se fossem Deus. — v. 29

O DESIGNADO DIA DE JULGAMENTO

Enquanto Paulo estava diante do supremo tribunal de Atenas, ele lembrou aos ouvintes que, em tempos passados, Deus passava por alto tais mal-entendidos de sua natureza e caráter. Contudo, a luz da verdade agora brilhava mais intensamente. O homem devia se arrepender, disse Paulo, abandonar suas crenças supersticiosas em muitos deuses e dedicar-se plenamente à adoração e obediência do único Deus verdadeiro. Quando Paulo estava sendo julgado no tribunal, ele afirmou que Deus “designou um dia, no qual ele julgará o mundo em justiça”, e selecionou seu próprio juiz para essa tarefa. Paulo disse que Deus “deu garantia a todos os homens” disso “por ter ressuscitado [Jesus] dentre os mortos”. — Atos 17:30, 31

Logo após Paulo mencionar a ressurreição de Jesus dentre os mortos, muitos de seus ouvintes começaram a ridicularizá-lo de maneira tão alta que ele não podia mais ser ouvido. Outros indicaram que gostariam de ouvir mais em um momento posterior. Quanto ao tribunal, não era necessário que ouvissem mais sua defesa. Ele havia deixado claro que não estava apresentando um novo deus, mas sim falando sobre um que já estava sendo adorado como o Deus desconhecido. Então, ele foi liberado. “E assim Paulo saiu do meio deles.” — vs. 32, 33

UMA PEQUENA ECLÉSIA FOI FORMADA

Embora Atenas não fosse um lugar que Paulo tivesse planejado visitar, a providência do Senhor anulou circunstâncias para levá-lo até lá, e seu julgamento ajudou a colocá-lo em contato com vários que se tornaram crentes no Evangelho. Apenas dois deles são mencionados, e seus nomes aparecem apenas uma vez nas Escrituras. Um era “Dionísio, o areopagita”. Por causa dessa designação, pensa-se que ele era um dos juízes perante quem Paulo fez sua defesa. A outra pessoa mencionada foi “uma mulher por nome Dâmaris”, de quem nenhuma informação adicional é fornecida. Essas pessoas e “com eles outros”, como afirma o relato, apegaram-se à Paulo e provavelmente se tornaram o núcleo de uma pequena congregação do povo do Senhor em Atenas. — Atos 17:34

Quantas vezes Deus moldou as circunstâncias na vida de indivíduos, como Paulo, para levar a mensagem do Evangelho para os que têm ouvidos atentos — um aqui, outro acolá. Da mesma forma, o Senhor usa seu controle providencial na vida daqueles que o desejam seguir e servi-lo, para que possam ouvir sua Palavra e serem trazidos para o corpo de Cristo.

Inicialmente, talvez achemos que o tempo que Paulo gastou em Atenas foi como um “desvio” em sua jornada. No entanto, o Senhor sabia antecipadamente que havia alguns que estavam esperando para aprender sobre o plano de Deus e sobre a grande oportunidade que seria dada a Paulo para dar um testemunho no meio do centro cultural e religioso mais famoso do mundo daquele tempo. Podemos ver claramente nesses eventos como o corpo de Cristo estava sendo selecionado e como este crescia por meio da fidelidade de Paulo e dos muitos trabalhadores associados a ele na busca pelo povo de Deus.



Associação dos Estudantes da Bíblia Aurora