DESTAQUES DA AURORA

Edição Especial

A Bíblia qual revelação divina considerada à luz da razão

As pretensões da Bíblia e suas evidências exteriores de credibilidade—Sua antiguidade e preservação—Sua influência moral—Motivos dos escritores—Caráter geral de seus escritos—Os livros de Moisés—A Lei de Moisés—Particularidades do governo instituído por Moisés—Não foi um sistema de embuste sacerdotal—Instruções aos governantes civis—Igualdade dos ricos e dos pobres diante da Lei—Salvaguarda para impedir o desarranjo contra os direitos do povo—O Sacerdócio não era uma classe favorecida—Maneira como se sustentava—Os estrangeiros, as viúvas, os órfãos, e os servos protegidos contra a opressão—Os Profetas da Bíblia—Existe um vínculo comum de união entre os livros da Lei, os Profetas e o Novo Testamento?—Razoabilidade dos milagres—Conclusão Lógica.

A BÍBLIA é a lâmpada da civilização e da liberdade. Sua influência para o bem da sociedade tem sido reconhecida pelos mais notáveis homens públicos, apesar de que estes, na sua maioria, a tem visto através das várias lentes dos credos conflitantes, ao mesmo tempo colocando-a em destaque, mas desvirtuando lamentavelmente os seus ensinamentos. O grande livro antigo tem sido não intencionalmente, mas tristemente caluniado pelos seus apoiadores, muitos dos quais dariam suas vidas por ele; pois ao sustentarem as falsas concepções da verdade recebidas pelas tradições de seus pais, lhe fazem mais dano vital do que seus próprios inimigos. Pois então que tais despertem, examinem de novo seu oráculo, e confundam seus inimigos, desarmando-os!

Sempre que o conhecimento da natureza nos leva a esperar uma revelação de Deus mais completa do que a oferecida por ela própria, toda mente reflexiva deverá estar pronta para examinar as pretensões de qualquer coisa que alegue ser uma revelação divina, e que apresente exteriormente evidências razoáveis da veracidade de suas pretensões. A Bíblia declara ser tal revelação de Deus, e chega até nós apresentando-nos evidências razoáveis e claramente discerníveis que comprovam a probabilidade de suas pretensões; além disso, nos proporciona uma razoável esperança de que uma investigação minuciosa porá à mostra evidências mais completas e positivas de que ela, com efeito, é a Palavra de Deus.

A Bíblia é o livro mais antigo e tem sobrevivido aos embates de trinta séculos. Os homens têm procurado, por todos os meios possíveis, desterrá-la da face da terra; a têm escondido; a têm queimado; fez-se da sua possessão um crime passível, de morte, e os que tinham fé nela hajam sido o alvo das mais amargas e impiedosas perseguições; contudo o livro ainda existe. Hoje, quando muitos de seus inimigos dormem o sono da morte, e quando centenas de volumes escritos contra ela, para desacreditar e aniquilar sua influência há muito tempo foram esquecidos, a Bíblia fez o seu caminho a passos largos em todas as nações e línguas da terra: mais de duzentas traduções [no ano de 1886. Em 2008, mais de 2.400 idiomas no todo ou em parte] foram feitas dela! Que este livro tenha sobrevivido por tão longo tempo, apesar de semelhantes esforços sem paralelo para desterrá-lo e destruí-lo, é pelo menos uma forte evidência circunstancial de que o grande Ser que o livro apresenta como Seu Autor tem sido também Seu Preservador.

Verdade é que a influência moral da Bíblia sempre tem sido e ainda é a melhor. Os que chegam a ser estudantes cuidadosos de suas páginas, invariavelmente ascenderão a uma vida mais pura. Outros escritos sobre religião e várias ciências tem, até certo ponto, feito o bem, enobrecendo e bendizendo a humanidade até certo grau, mas todos os outros livros em conjunto não foram capazes de trazer à gemente criação a alegria, a paz e as bênçãos que a Bíblia tem proporcionado tanto aos ricos como aos pobres, como também aos instruídos como e aos ignorantes. A Bíblia não é somente um livro de leitura, é um livro para ser estudado com cuidado e reflexão, porque os pensamentos de Deus são mais altos do que os nossos pensamentos, e nossos pensamentos, e os seus caminhos mais altos do que os nossos caminhos. Se quisermos compreender o plano e os pensamentos do Deus infinito, devemos empregar todas as nossas energias nessa importantíssima tarefa. Os tesouros mais preciosos da verdade nem sempre se encontram na superfície.

Este livro constantemente destaca e refere-se a um personagem proeminente: Jesus de Nazaré, o qual, segundo afirma, foi o Filho de Deus. Do princípio ao fim, seu nome, seu ofício e sua obra se destacam. Que um homem chamado Jesus de Nazaré existiu e foi notável no tempo indicado pelos escritores da Bíblia, é um fato histórico à parte das Escrituras, e plenamente corroborado por várias fontes. Que este Jesus foi crucificado porque se fez ofensivo aos judeus e ao seu sacerdócio, é outro fato estabelecido pela história além das evidências apresentadas pelos escritores do Novo Testamento. Os escritores do Novo Testamento (com exceção de Paulo e Lucas) foram conhecidos pessoais e discípulos de Jesus de Nazaré, cujas doutrinas expõem em seus escritos.

A existência de um livro implica motivos da parte do escritor. Perguntamos então: Que motivo pôde inspirar estes homens a dedicar todas as suas energias em defesa da causa de tal pessoa? Ele foi condenado à morte e crucificado pelos judeus como um malfeitor, os mais religiosos dentre eles consentindo e ainda exigindo sua morte, julgando-o indigno de existir. Ao defender a sua causa e promulgar suas doutrinas estes homens enfrentaram menosprezo, privações e amargas perseguições com o risco da própria vida, e ainda em alguns casos sofreram o martírio. Admitindo que enquanto Jesus viveu foi uma pessoa notável tanto pela sua vida como pelos seus ensinos, que motivo poderia motivar alguém a defender sua causa depois de morto, especialmente quando sua morte foi tão ignominiosa? E se supomos que estes escritores inventaram suas narrativas e que Jesus apenas foi o seu herói imaginário ou ideal, depois de haverem proclamado que era o Filho de Deus, que havia sido gerado de modo sobrenatural, que possuía poderes extraordinários para curar os leprosos, para devolver a visão aos cegos de nascença, para fazer ouvir aos surdos e para levantar até os mortos, não seria absurdo supor que homens prudentes concluiriam a história de tal personagem narrando que um punhado de seus inimigos o executaram como um criminoso, ao mesmo tempo em que todos os seus amigos e discípulos, incluindo os próprios escritores, fugiram deixando-o num momento difícil?

O fato de que a história profana [secular] não concorda em alguns pontos com estes escritores, não deveria nos levar a considerar suas declarações como falsas. Os que levantam tal conclusão deveriam destacar e provar os motivos da parte dos escritores para afirmar falsidades. Que motivos puderam incitá-los? Razoavelmente podiam esperar obter alguma vantagem terrestre, fortuna, fama, ou poder? Semelhante suposição se contradiz ao se levar em conta a pobreza dos amigos de Jesus, como também a pouca popularidade de seu herói para com os grandes religionistas da Judéia; em vista do fato de que morreu como malfeitor, e perturbador da paz, sem procurar reputação alguma, não oferecendo fama invejável e prosperidade terrena àqueles que tencionaram restabelecer suas doutrinas. Ao contrário, se esse tivesse sido o propósito dos que pregaram sobre Jesus, não haveriam desistido dele ao perceberem de que só lhes causava desonra, perseguição, perda de sua liberdade, açoites e muitas vezes a morte? A razão claramente nos ensina que homens que sacrificaram o lar, reputação, honra e vida, não vivendo para o gozo atual, senão que seu principal anelo foi o de elevar a seus semelhantes e inculcar-lhes a mais elevada forma de moral, não somente foram impulsionados por um motivo, senão ainda mais, que esse motivo deve ter sido puro, e suas intenções sobremaneira sublimes. A razão também indica que o testemunho de tais homens, agindo somente por motivos puros e nobres, é dez vezes mais digno de crédito e de consideração do que o de escritores comuns. Esses homens não eram fanáticos, eram homens de mente sensata e razoável; em todo caso apresentavam argumentos bem fundamentados em defesa de sua fé e de sua esperança, e sempre foram perseverantemente fiéis às suas razoáveis convicções.

O que dissemos acima é aplicável também aos vários escritores do Antigo Testamento. Na sua maioria, foram homens notáveis pela sua fidelidade ao Senhor; a história bíblica com muita imparcialidade, ao mesmo tempo em que relata e reprova suas fraquezas e debilidades, enaltece também suas virtudes e sua fidelidade. Isto deve surpreender aos que presumem que a Bíblia é uma história inventada com o objetivo especial de amedrontar aos homens por meio da reverência a um sistema religioso. A Bíblia tem uma integridade tal, que marca suas palavras com o selo da verdade. Indivíduos mal intencionados, em seus esforços de fazerem-se parecer grandes homens e, desejando ardentemente apresentar alguns de seus escritos como inspirados por Deus, sem dúvida haveriam descrito seu próprio caráter como irrepreensível e nobre até onde fosse possível. O fato de que a Bíblia não faz uso de tal proceder, é uma evidência razoável de que não foi escrita fraudulentamente com o propósito de enganar.

Tendo motivos para esperar uma revelação da vontade e do plano divinos, e havendo-nos assegurado de que a Bíblia reivindica ser tal revelação, que foi escrita por homens cujos motivos não podemos impugnar, e que ao contrário somos forçados a elogiar, passemos agora a examinar as qualidades distintivas desses escritos que se dizem inspirados, com o objetivo de verificarmos se seus ensinamentos concordam com o caráter que de modo razoável temos atribuído a Deus, e ver se apresentam evidências internas de sua veracidade.

Os primeiros cinco livros do Novo Testamento, e vários do Antigo, são narrativas de fatos conhecidos e testemunhados pelos próprios escritores. Todos podem ver, sem a menor dificuldade, que para simplesmente dizer a verdade referente a certos assuntos com os quais eles estavam íntima e plenamente informados não se exigia uma revelação especial. Não obstante, o fato de que estas histórias de acontecimentos passados estão mutuamente relacionadas com a revelação, e termos em conta que Deus desejava fazer ao homem essa revelação, são argumentos suficientes para razoavelmente concluirmos que Deus supervisou, e arranjou as coisas de tal modo que os sinceros escritores escolhidos para isto foram postos em contato com os acontecimentos necessários. O crédito que podemos dar às porções históricas da Bíblia repousa no caráter e nos motivos de seus escritores. Homens bons não comunicam falsidades. Uma fonte pura não dá águas amargas, e o testemunho unido destes escritores destrói toda a suspeita de que seus autores disseram ou fizeram o mal para que resultasse em bem.

A veracidade de alguns livros da Bíblia como os de Reis, de Crônicas, de Juízes, e outros, não é invalidada nem no mínimo ao se dizer que estes são simplesmente histórias verídicas, cuidadosamente preservadas de acontecimentos e pessoas importantes da sua época. Quando lembramos que as Escrituras Hebraicas além da Lei e das profecias contêm também história, e que aquelas histórias, genealogias e etc., foram as mais explícitas em detalhar toda classe de circunstâncias, pelo motivo de que se esperava o Messias numa linhagem destacada de Abraão, vemos aí uma razão para se terem registrado certos fatos históricos considerados pouco delicados à luz deste século dezenove [também hoje no século 21]. Por exemplo: Querendo dar um registro claro da origem dos moabitas e amonitas associado ao seu parentesco com Abraão e os israelitas, provavelmente surgiu na mente do historiador a necessidade de dar uma história detalhada de como vieram à existência. (Gênesis 19:36-38) Também se dá uma minuciosa relação dos filhos de Judá da qual procede o rei Davi, para deste modo poder trazer, ascendendo até Abraão, a genealogia de Maria mãe de Jesus, e de seu marido José. (Lucas 3:23, 31, 33, 34; Mateus 1:2-16) Sem dúvida alguma que a necessidade de estabelecer essa genealogia era a mais importante, porque desta tribo (Gênesis 49:10), deveria vir o Rei de Israel, o prometido Messias; esse é o motivo dos detalhes minuciosos, os quais são omitidos em outros casos. —Gênesis 38.

Pode haver razões semelhantes ou diferentes para outros fatos históricos registrados na Bíblia dos quais poderemos ver mais tarde a utilidade, e que, se esta não fosse uma história real, mas simplesmente um tratado de moral, sem prejuízo algum, poderiam ser omitidos. Apesar disso, ninguém pode afirmar, razoavelmente, que a Bíblia em alguma parte sanciona a impureza. É bom também lembrar que os mesmos fatos poderiam ser mais ou menos delicadamente narrados em qualquer idioma, e que os tradutores da Bíblia, ainda que fossem bastante conscienciosos para não omitir algum detalhe, não obstante, viveram num tempo em que não havia tanto escrúpulo para escolher expressões refinadas como fazemos hoje em dia; o mesmo pode inferir-se quanto aos tempos remotos nos quais a Bíblia faz referência e no tocante à forma de expressão dessas épocas. Certamente que o mais melindroso não pode objetar coisa alguma a este respeito em qualquer expressão do Novo Testamento.

Os Livros de Moisés e as Leis Neles Promulgadas

Os cinco primeiros livros da Bíblia são conhecidos com o nome de Livros de Moisés, apesar de que eles em parte alguma mencionam seu nome como autor. Que foram escritos por Moisés, ou quando menos, sob sua supervisão, é uma inferência que não carece de fundamento; o relato de sua morte e enterro sendo devidamente adicionados pelo seu secretário. Se não existe a declaração positiva de que estes livros foram escritos por Moisés, nada se prova ao contrário, porque se outro os houvesse escrito para enganar e fraudar, seguramente teria a pretensão de dizer que foram escritos pelo grande chefe e estadista de Israel, para poder assim dar uma aparência de verdade à fraude. (Deuteronômio 31:9-27) De uma coisa estamos certos: Moisés tirou os hebreus do Egito. Ele os organizou com nação sob as leis assentadas nestes livros, e de comum acordo, essa mesma nação tem dito por mais de três mil anos que estes livros lhes foram dados por Moisés, e que são tão sagrados que nenhum jota nenhum til se lhes deve alterar, garantindo assim a pureza do texto.

Estes escritos de Moisés contêm a única história fidedigna dentre as histórias existentes, que se referem à época da qual trata. A história chinesa afirma iniciar com a criação, dizendo que Deus saiu numa canoa, e que com a sua mão tomou um punhado de terra que lançou na água, e que desta maneira formou-se o planeta em que vivemos. Semelhante história está tão desprovida de sentido em sua totalidade, que nem a mente de um menino seria enganada por ela. Ao contrário, a narração dada no livro de Gênesis começa com a razoável inferência de que já existia um Deus, um Criador, uma Inteligente Causa Primordial. Não fala de Deus como que tendo um princípio, e sim fala-nos de Sua obra, do começo e do seu progresso sistemático numa ordem sistemática: “No princípio criou Deus os céus e a Terra.” Em seguida, passando pela origem da Terra, sem detalhes nem explicações, prossegue a narração dos seis dias (épocas) nas quais esta foi preparada para o homem. Tal relato está solidamente confirmado pela luz da ciência acumulada em quatro mil anos, de tal modo que é mais lógico aceitar a declaração de que Moisés, seu autor, foi divinamente inspirado, em vez de supor que a inteligência de um homem fosse superior à inteligência combinada e à investigação do restante da raça [humana] durante os últimos três mil anos, apoiada por aparelhos modernos e despesas de milhões em dinheiro.

A Lei de Moisés

Examinemos agora o sistema de leis que se encontram nestes escritos. Certamente eram sem igual nos seus dias e ainda são neste século dezenove [também atualmente no século 21]. As leis do século atual se acham fundamentadas sobre os princípios da Lei Mosaica, e são na sua maior parte delineadas por homens que reconheceram a Lei de Moisés como de origem divina.

O decálogo é um sumário de toda a lei. Estes dez mandamentos abrangem códigos de adoração e moral, que à vista de todo estudante deveriam destacar-se como coisa assombrosa; e se nunca houvessem sido conhecidos antes, e se agora fossem achados entre as ruínas ou relíquias da Grécia, Roma, ou da Babilônia (nações que se levantaram e caíram muito tempo depois que essas leis foram expedidas), seriam reconhecidos como algo maravilhoso senão sobrenatural. A familiaridade com eles, e com as suas exigências, tem gerado uma indiferença considerável para com estes, a tal nível que sua real grandeza só é apreciada por uns poucos. Em verdade, esses mandamentos não ensinam nada com referência a Cristo, mas devemos lembrar que não foram dados aos cristãos mas somente aos hebreus; não para ensinar a fé num resgate, mas para convencer os homens de seu estado pecaminoso e da necessidade de um resgate. O resumo desses mandamentos foi grandiosamente condensado pelo ilustre fundador do cristianismo nas palavras: “Amarás, pois, ao Senhor teu Deus de todo o teu coração, e de toda a tua alma, de todo o teu entendimento, e de todas as tuas forças.” “Amarás ao teu próximo como a ti mesmo”. —Marcos 12:30, 31.

O governo instituído por Moisés diferenciava-se de todos os outros, antigos e modernos, porque pretendia ser do próprio Criador, e sob o qual o povo era tido como responsável a Ele; suas leis e instituições civis e religiosas eram apresentadas como procedentes de Deus, e como logo veremos, estavam em perfeita harmonia com o que a razão nos indica a respeito do caráter de Deus. O Tabernáculo, no centro do acampamento [ou arraial], tinha em seu lugar “Santíssimo” uma manifestação da presença de Jeová como Rei desse povo, por onde, de um modo sobrenatural, eles recebiam instruções para administrar de maneira correta seus assuntos nacionais. Uma ordem de sacerdotes, que tinha o encargo completo do Tabernáculo, foi estabelecida, e só por sua mediação se permitia o acesso e a comunhão com Jeová. O primeiro pensamento de alguém em relação a isto indubitavelmente será: “Ah aí está o objetivo de sua organização: nesta, o mesmo que em outras, os sacerdotes tem governado o povo abusando da sua credulidade inspirando-lhe o temor, para a sua própria honra e proveito!” Um pouco de calma, amigos, não nos precipitemos a fazer deduções. Havendo uma oportunidade tão boa de estudar este assunto por meio dos fatos, não seria razoável tirar as conclusões sem apreciá-los. As evidências são inegavelmente contrárias a tal suposição. Os direitos e os privilégios dos sacerdotes eram limitados; nenhum poder civil lhes foi confiado, foram privados por completo da oportunidade de fazer uso de seu ofício para impor-se sobre os direitos e as consciências do povo, e o mais notável é que este arranjo foi cumprido por Moisés, um membro da linhagem sacerdotal.

Ao libertar os israelitas do jugo egípcio, na qualidade de representante de Deus, a força das circunstâncias centralizou em suas mãos o governo, convertendo o humilde Moisés em um autocrata em poder e autoridade; no entanto, por causa da humildade de sua disposição, ele na verdade foi o mais ocupado servidor do povo até o ponto de que sua própria vida extenuava-se pelos cuidados onerosos de sua posição. Então se inaugurou um governo civil, o qual virtualmente, foi uma democracia. Não nos entenda mal: segundo o ponto de vista dos não crentes poderíamos considerar o governo de Israel como uma democracia; mas se o examinamos à luz de suas próprias pretensões, percebemos de que era uma teocracia, isto é, um governo divino, porque as leis da parte de Deus dadas por meio de Moisés não permitiam emenda e nem era possível tirar ou acrescentar coisa alguma a esse código. Ao analisar esse governo sob este ponto de vista, nós concluímos que foi diferente de qualquer outro governo civil anterior ou posterior. “E disse o SENHOR a Moisés: Ajunta-me setenta homens dos anciãos de Israel, que sabes serem anciãos do povo e seus oficiais; e os trarás perante a tenda da congregação, e ali estejam contigo. Então eu descerei e ali falarei contigo, e tirarei do espírito que está sobre ti, e o porei sobre eles; e contigo levarão a carga do povo, para que tu não a leves sozinho.” (Números 11:16, 17 — consultem também os versículos vinte e quatro a trinta e se observará neles exemplo de sincera humildade e de bom governo.) Moisés, relatando detalhadamente este mesmo incidente, disse: “Tomei, pois, os chefes de vossas tribos, homens sábios e experimentados, e os tenho posto por cabeças sobre vós, por capitães de milhares, e por capitães de cem, e por capitães de cinquenta, e por capitães de dez, e por governadores das vossas tribos.” —Deuteronômio 1:15; Êxodo 18:13-26.

Desta maneira é evidente que o distinto legislador longe de procurar a perpetuação ou aumento do seu próprio poder colocando o governo sob o poder da tribo sacerdotal, que se encontrava diretamente relacionado a ele [ao governo], restringindo assim os direitos e a liberdade do povo por meio da autoridade religiosa, muito pelo contrário, introduziu o povo numa forma de governo determinada a cultivar o espírito de liberdade. Não se encontra paralelo algum de tal proceder nas histórias de outras nações e governantes. Estes sempre têm procurado seu próprio engrandecimento e aumento de poder. Ainda nos casos em que têm ajudado a estabelecer repúblicas, os acontecimentos posteriores tem demonstrado que o fizeram por conveniência, para poder obter o favor do povo e assim perpetuar seu próprio poder. Qualquer homem ambicioso, encontrando-se nas mesmas circunstâncias que Moisés, impulsionado pelos desejos de dominar, e intencionando perpetuar uma fraude, teria lutado para obter a mais completa centralização do poder em si mesmo e em sua família; tal tarefa teria sido fácil estando já a autoridade religiosa nas mãos dessa tribo, e crendo esta nação, como acreditavam, que desde o Tabernáculo eram governados por Deus. Não é de supor-se que um homem competente para formular tais leis, e de governar um povo como esse, fosse tão tacanho de entendimento que não pudesse aperceber-se do rumo que sua tática tomaria. A tal grau estava o governo nas mãos do povo, que apesar do que foi estipulado com respeito às causas difíceis que os governantes não pudessem resolver e que assim seriam trazidas a Moisés, contudo, eles mesmos eram os juízes que decidiam quais os casos que deveriam estar sujeitos a Moisés: “E a causa que vos for difícil, fareis vir a mim, e eu a ouvirei”. —Deuteronômio 1:17.

A República de Israel

Sob este ponto de vista, Israel era uma república cujos oficiais trabalhavam sob uma comissão divina. Para a confusão daqueles que com ignorância afirmam que a Bíblia sanciona e estabeleceu a forma imperial de governo para dominar o povo, em vez de “um governo do povo pelo próprio povo”, note que esta forma republicana de governo civil subsistiu pelo espaço de quatrocentos anos. Então, a pedido dos “Anciãos”, foi substituída por um reino, sem a aprovação de Deus que disse a Samuel, sendo naquele momento o devido líder, na qualidade de um presidente informal: “Ouve a voz do povo em tudo quanto te dizem, pois não te têm rejeitado a ti, antes a mim me têm rejeitado, para eu não reinar sobre eles.” Samuel, às instâncias de Deus, indicou ao povo como os seus direitos e liberdades seriam desatendidos, e que com tal mudança eles seriam servos; apesar de tudo seguiram envolvidos apaixonados pela ideia popular exemplificada nas nações vizinhas. (1 Samuel 8:6-22) Ao considerar o relato do desejo do povo de ter um rei, quem não se impressiona com a ideia de que Moisés sem dificuldade poderia ter se estabelecido de modo resoluto como cabeça de um grande império?

Apesar de que Israel em sua totalidade constituía uma nação, sua divisão em tribos sempre se reconheceu depois da morte de Jacó. De comum acordo, cada família ou tribo elegia ou reconhecia certos membros dela como seus representantes ou chefes. Este costume foi continuado mesmo durante sua longa escravidão no Egito. Estes eram conhecidos como chefes ou anciãos, e foi sobre eles que Moisés pôs a honra e o poder do governo civil; se tivesse desejado centralizar o poder em si mesmo e em sua família, tais indivíduos teriam sido os últimos a quem ele pensaria em honrar com poder e governo.

As instruções que como da parte de Deus eram dadas aos designados ao governo civil são um modelo de simplicidade e pureza. Na presença dos juízes, Moisés declarou ao povo: “E no mesmo tempo mandei a vossos juízes, dizendo: Ouvi a causa entre vossos irmãos, e julgai justamente entre o homem e seu irmão, e entre o estrangeiro que está com ele. Não discriminareis as pessoas em juízo; ouvireis assim o pequeno como o grande; não temereis a face de ninguém, porque o juízo é de Deus; porém a causa que vos for difícil fareis vir a mim, e eu a ouvirei.” (Deuteronômio 1:16, 17) Esses casos difíceis depois da morte de Moisés foram trazidos diretamente a Jeová pelo Sumo Sacerdote, sendo a resposta Sim ou Não pelo Urim e Tumim.

Em vista destes fatos, que diremos da teoria que insinua que estes livros foram escritos por sacerdotes mal intencionados com o objetivo de procurar obter influência e poder sobre o povo? Com tais intenções, haveriam estes homens falsificado escritos que precisamente iriam destruir seus objetivos? Teriam procurado adiantar tais escritos dando assim provas conclusivas de que o grande chefe de Israel, da tribo sacerdotal, por mandato divino separou o sacerdócio do poder civil e colocou esse poder nas mãos do povo? Pode considerar-se como razoável tal conclusão?

Também, é digno de nota que as leis da mais adiantada civilização do nosso século, não tem sido mais cuidadosas do que aquelas para colocar os ricos e os pobres no mesmo nível, deixando ambos responsáveis diante da mesma lei civil. Nas Leis de Moisés não havia em absoluto a mais leve distinção. E no que diz respeito à proteção do povo contra os perigos ocasionados por alguns chegarem a serem muito pobres e outros excessivamente ricos e outros poderosos, não se tem expedido outra lei nacional que guarde tão cuidadosamente este ponto. A Lei Mosaica prescrevia uma restituição a cada cinquenta anos que culminava no Ano do Jubileu. Esta lei, que impedia a alienação absoluta de propriedade, evitava a consequente acumulação desta nas mãos de alguns poucos. (Levítico 25:9, 13-23, 27-30) Na realidade, eles foram ensinados a respeitarem-se como irmãos, a trabalhar de comum acordo, a ajudarem-se mutuamente sem recompensa, e a não tomar usura dos demais. —Êxodo 22:25; Levítico 25:36, 37; Números 26:52-56.

Todas as leis eram anunciadas ao público; isto impedia que homens sagazes perpetuassem com êxito algum desmando forjado por eles contra os direitos do povo. Tão ao alcance do público se mantinham essas leis, que todo aquele desejoso de copiá-las podia fazê-lo; e, com o objetivo de que também os mais pobres e ignorantes as conhecessem, era dever dos sacerdotes lerem essas leis ao povo nas festas que celebravam a cada sete anos. (Deuteronômio 31:10-13) Pode-se logicamente imaginar que tais arranjos e leis foram o produto de homens maus que tencionaram roubar do povo suas liberdades e sua felicidade? Tal afirmação seria absurda.

Considerando os direitos e interesses dos estrangeiros e dos inimigos, a Lei Mosaica foi trinta e dois séculos adiantada, se é que acaso se encontram algumas leis entre as mais civilizadas nações atuais que se lhe igualem em imparcialidade e benevolência. Lemos: —

“Uma mesma lei tereis; assim será para o estrangeiro como para o natural; pois eu sou o SENHOR vosso Deus.” —Êxodo 12:49; Levítico 24:22.

“E quando o estrangeiro peregrinar convosco na vossa terra, não o oprimireis. 34. Como um natural entre vós será o estrangeiro que peregrina convosco; amá-lo-ás como a ti mesmo, pois estrangeiros fostes na terra do Egito. Eu sou o SENHOR vosso Deus.” —Levítico 19:33, 34.

“Se encontrares o boi do teu inimigo, ou o seu jumento, desgarrado, sem falta lho reconduzirás. Se vires o jumento, daquele que te odeia, caído debaixo da sua carga, deixarás pois de ajudá-lo? Certamente o ajudarás a levantá-lo.” —Êxodo 23:4, 5.

Nem mesmo os animais foram esquecidos. A crueldade para com eles era absolutamente proibida tanto quanto para com os seres humanos. Não podia atar-se a boca ao boi quando estava debulhando o grão pela simples razão de que o obreiro é digno de seu alimento. O boi e o jumento, pelo fato de serem desiguais em força e nos passos, não deviam ser postos juntos para lavrar. Também foi feita provisão para o seu descanso. —Deuteronômio 25:4; 22:10; Êxodo 23:12.

O Sacerdócio não era uma Classe Favorecida

Pelo fato de que os levitas se sustentavam com o décimo anual ou os dízimos do produto individual de seus irmãos das outras tribos, alguém poderia afirmar que o sacerdócio foi uma instituição egoísta. Tal fato apresentado desta maneira é um argumento muito na moda entre os céticos, que, talvez por falta de informação, distorcem uma das mais notáveis evidências de que Deus tomou parte na organização de tal sistema, e que não foi a obra de sacerdotes astutos e egoístas. Certamente, não raro é que tal organização se faz destacar com falsas cores por um sacerdócio moderno, que agora tem tratado de impor um sistema parecido, usando o outro como precedente, sem mencionar, as condições sobre as quais se fundou, e nem o seu método de pagamento.

O sistema de dízimos estava baseado sobre a mais estrita eqüidade. Quando Israel tomou posse da terra de Canaã, os levitas certamente tinham o mesmo direito a uma porção de terra como as outras tribos, mas por mandato direto de Deus nada lhes foi dado, exceto, e como residência, certas cidades espalhadas entre as diferentes tribos, as quais eles serviam em assuntos religiosos. Antes de dividir-se a terra, nove vezes se estipulou esta proibição. Em vez de terra algo equivalente lhes seria dado, e o dízimo foi um dispositivo justo e razoável. E isto não é tudo; o dízimo, conforme temos examinado era uma dívida justa, não se pagava como um tributo, mas como uma contribuição voluntária. Nunca foram ameaçados para que dessem a sua parte correspondente, ficando o assunto inteiramente à opção individual e aos ditames de sua consciência. As únicas exortações ao povo sobre este particular são como segue: —

“Guarda-te, que não desampares ao levita todos os teus dias na terra.” (Deuteronômio 12:19) “Porém não desampararás o levita que está dentro das tuas portas; pois não tem parte nem herança contigo [na terra].” — Deuteronômio 14:27.

Agora perguntamos: Será razoável supor que esta ordem de coisas foi arranjada por sacerdotes egoístas e ambiciosos? Podemos imaginar que eles mesmos iriam deserdar-se para ficarem submetidos a receber o sustento das mãos de seus irmãos? Não nos ensina a razão o contrário?

Em harmonia com isto, e igualmente inexplicável a não ser no terreno sobre o qual alegamos que Deus é o autor dessas leis, se acha o fato de que não se deu lugar a nenhum arranjo especial com o objetivo de honrar o sacerdócio. Em nada teriam os impostores tanto empenho como em tomar certas medidas que conduziriam à reverência e ao respeito a si mesmos, impondo a pena de maldição e de severos castigos a todo aquele que não as acatasse. Mas nada disso aparece: Nem honras especiais, nem reverências, nem imunidade por violência ou insulto. A lei comum não fazia distinção de classes nem acepção de pessoas, e esta era sua única proteção. Isto é mais notável se tivermos em conta que o tratamento para os servos e os estrangeiros, o mesmo no que diz respeito aos anciãos, foi assunto de legislação especial. Por exemplo: “O estrangeiro não afligirás, nem o oprimirás; pois estrangeiros fostes na terra do Egito. A nenhuma viúva nem órfão afligireis. Se de algum modo os afligires, e eles clamarem a mim, eu certamente ouvirei o seu clamor. E a minha ira se acenderá, e vos matarei à espada; e vossas mulheres ficarão viúvas, e vossos filhos órfãos.” (Êxodo 22:21-24; 23:9; Levítico 19:33, 34) “Não oprimirás o diarista pobre e necessitado de teus irmãos, ou de teus estrangeiros, que está na tua terra e nas tuas portas No seu dia lhe pagarás a sua diária, e o sol não se porá sobre isso; porquanto pobre é, e sua vida depende disso; para que não clame contra ti ao SENHOR, e haja em ti pecado.” (Levítico 19:13; Deuteronômio 24:14, 15; Êxodo 21:26, 27) “Diante das cãs te levantarás, e honrarás a face do ancião”. (Levítico 19:32; 19:14) Tudo isto, mas nada especial em benefício dos sacerdotes, levitas, ou de seus dízimos!

As medidas sanitárias da lei, indispensáveis a um povo tão pobre e oprimido por tão longo tempo, e também as limitações e regulamentos referentes aos animais limpos e imundos, que se deveriam comer e os que não se deveriam comer, são incomparáveis, e junto com outros detalhes seria muito interessante sua discussão se dispuséssemos de espaço para isto. Tal exame provaria que essas leis se encontravam à altura, ou talvez mais avançadas, que as últimas conclusões científicas sobre o assunto. A Lei Mosaica tem também um caráter típico que consideraremos mais adiante, mas já temos visto, conforme uma rápida observação demonstra com evidências esmagadoras, que essa Lei, que constitui o fundamento de todo o sistema da religião revelada, a qual o restante da Bíblia elabora, é verdadeiramente uma demonstração surpreendente de sabedoria e justiça, especialmente quando se leva em conta a sua antiguidade.

À luz da razão todos devem, admitir que não há evidência alguma de que esta Lei tenha sido a obra de homens malvados e astutos, senão pelo contrário, ela corresponde em todo ponto exatamente o que nos ensina a natureza com respeito ao caráter de Deus. Apresenta evidências de Sua Sabedoria, de Sua Justiça, e de Seu Amor; e por fim, o evidentemente piedoso e nobre legislador, Moisés, nega que as leis sejam obra sua, atribuindo-as a Deus. (Êxodo 24:12; Deuteronômio 9:9-11; Êxodo 26:30; Levítico 1:1)

Em virtude de seu caráter geral, de seus mandamentos ao povo com o fato de que não deviam levantar falso testemunho, de abominarem a mentira e a hipocrisia, é razoável supor que tal homem levantaria falso testemunho fazendo passar como divinas suas próprias idéias e leis? Também se deve lembrar que estamos examinando os exemplares atuais da Bíblia, e que, portanto, a integridade que a caracteriza é igualmente aplicável aos sucessores de Moisés, porque ainda que existissem alguns homens maus entre os seus sucessores, os que procuravam seu próprio bem no lugar do povo, não levaram a término nenhuma mudança nas Escrituras Sagradas, as quais tem chegado puras até nossos dias.

Os Profetas da Bíblia

Examinemos agora o caráter geral dos profetas da Bíblia e seus testemunhos. Bastante notável é o fato de que, com poucas exceções, os profetas não foram da classe sacerdotal e que no seu tempo as profecias dadas por eles a conhecer foram repugnantes em geral tanto ao sacerdócio degenerado e servil, como ao povo inclinado à idolatria. A carga das mensagens dadas por Deus ao povo pelo canal dos profetas geralmente reprovava o pecado e anunciava ao mesmo tempo alguns castigos vindouros; de vez em quando encontramos promessas de bênçãos futuras, para o tempo em que se purificassem de seus pecados e retornassem ao favor divino. Suas experiências na maior parte não têm nada invejável: Foram geralmente injuriados, muitos deles postos na prisão, e alguns castigados com a pena de morte violenta. Em confirmação disto leia 1 Reis 18:4, 10, 17, 18; 19:10; Jeremias 38:6; Hebreus 11:32-38. Em alguns casos, somente vários anos após a ocorrência de sua morte foi que seu verdadeiro caráter como profetas de Deus chegou a reconhecer-se. Assim, fazemos apenas menção dos escritores proféticos cujas elocuções pretendem ser diretamente inspiradas por Jeová. É bom lembrar em conexão com isto que os sacerdotes não intervieram quando a Lei foi dada a Israel. Ela foi dada por Deus ao povo por intermédio de Moisés dada por Deus ao povo por intermédio de Moisés (Êxodo 19:17-25; Deuteronômio 5:1-5), e qualquer um que presenciasse uma violação da Lei, tinha imposto sobre si como dever repreender ao pecador. (Levítico 19:17) De modo que todos tinham a autoridade de ensinar e censurar, mas, assim como em nossos dias, a maioria estava absorvida nos cuidados de seus quefazeres tornando-se assim indiferentes e irreligiosos; poucos satisfaziam os requisitos de repreender o pecado e de exortar ao bem; estes pregadores tanto no Antigo como no Novo Testamento são qualificados como “profetas”. Em seu uso geral, o termo profeta significa expositor público, e tal termo também se aplica aos mestres públicos da idolatria, por exemplo: os “profetas de Baal” e etc. Veja 1 Coríntios 14:1-6; 2 Pedro 2:1; Mateus 7:15; 14:5; Neemias 6:7; 1 Reis 18:40; Tito 1:12.

Profetizar, no sentido comum de ensinar, se fez popular a certa classe, que degenerou no farisaísmo, a qual em vez de ensinar os mandamentos de Deus, muito pelo contrário ensinava as tradições dos anciãos quase sempre em oposição à verdade; desta maneira vieram se tornaram falsos profetas e mestres. —Mateus 15:2-9.

Fora da grande classe dos chamados profetas, Jeová em diferentes ocasiões escolheu alguns a quem comissionava especialmente para dar mensagens relacionadas às vezes com assuntos imediatos, outras com acontecimentos futuros. Os escritos desta classe que escreveram e falaram movidos pelo Espírito Santo, são os que agora consideraremos. Com bastante propriedade estes podem designar-se como:

Videntes ou Profetas Divinamente Comissionados

Quando lembramos que estes profetas foram na sua maior parte leigos, não sustentados com os dízimos da tribo sacerdotal, e se acrescentarmos a isto o fato de que frequentemente foram não somente os repreendedores dos reis e dos juízes, como foram também dos sacerdotes (ainda quando eles não reprovavam o ofício, senão os pecados cometidos pelos que o desempenhavam), carece de evidências a dedução de que estes profetas eram partidários de alguma liga de sacerdotes, ou de alguma outra organização designada, com o fim de fabricar falsidades em nome de Deus. À luz dos fatos, a razão contradiz tal suspeita.

Se não encontramos uma base para impugnar as causas dos diferentes escritores da Bíblia, mas ao contrário, em todas as suas partes achamos sinais de veracidade e de justiça, então continuemos a investigar se há alguma conexão ou laço de união entre os registros de Moisés, de outros profetas e dos escritores do Novo Testamento. Se encontrarmos em seus escritos uma linha comum de idéias entretecida na lei, nos profetas e no Novo Testamento, a qual abrange um período de mil quinhentos anos, isto, acrescentado ao caráter dos escritores, será razão suficiente para admitir suas pretensões de que são divinamente inspirados, de modo particular se o tema comum de todos eles é sublime e nobre, e está em completo acordo com aquilo que o sentido comum santificado nos ensina acerca do caráter e dos atributos de Deus.

A Harmonia da Bíblia

O resultado do nosso exame é: Um plano, um espírito, um objetivo e propósito ocupam o livro inteiro. Nas primeiras páginas está registrada a criação e a queda do homem; nas últimas páginas se fala do homem recuperado de sua queda; o restante do livro se dedica a demonstrar os passos sucessivos do Plano de Deus. A harmonia apesar do contraste, entre os primeiros três e os últimos três capítulos da Bíblia é de uma veracidade surpreendente. Alguns descrevem a primeira criação, os outros descrevem a mesma criação restaurada ou renovada, sem o pecado nem as suas consequências, uns mostram Satanás e o mal entrando no mundo para enganar e destruir, os outros nos deixam ver essa obra desfeita, o destruído restaurado, o mal extinto e Satanás aniquilado; uns falam do domínio perdido por Adão, os outros falam desse domínio restaurado e estabelecido para sempre por Cristo, e a vontade de Deus sendo feita assim na Terra como no céu; os primeiros ensinam que o pecado traz consigo a degradação, a vergonha e a morte, os outros assinalam que o prêmio da retidão é a honra, a glória e a vida.

Ainda que tenha sido escrita por vários autores, em diferentes épocas e sob várias circunstâncias, a Bíblia não é somente uma coleção de preceitos morais, de sábias doutrinas, e de palavras alentadoras. Não, é muito mais do que isto, porque é também um compêndio filosófico razoável e harmonioso que nos explica a causa do mal que agora há no mundo; deixa-nos ver o seu único remédio e os resultados finais como contemplados pela sabedoria divina, a qual viu o fim do plano desde antes de se começar sua execução; ao mesmo tempo marca a vereda do povo de Deus, sustentando-o e fortalecendo-o por meio das preciosas e grandiosas promessas que a seu tempo se realizarão.

O ensino que se mantém e é desenvolvido através de todas as partes da Bíblia é o mesmo que se encontra em Gênesis, a saber: Que o homem, em seu representante (Adão), foi posto à prova num estado de perfeição original, que ele caiu acarretando como resultado do pecado, as imperfeições, as enfermidades e a morte que agora contemplamos, mas que Deus não o tem abandonado e que enfim o recobrará por meio de um redentor nascido de mulher. (Gênesis 3:15) A necessidade da morte de um redentor como sacrifício pelos pecados do mundo, e de sua justiça para cobrir nossos pecados, foi indicada na vestimenta de peles para Adão e Eva; na aceitação da oferta feita por Abel; em Isaque sobre o altar; em diferentes sacrifícios por meio dos quais os patriarcas tiveram acesso a Deus, e nos instituídos sob a lei e perpetuados durante a Era Judaica. Os profetas ainda quando entendendo muito superficialmente o significado de algumas de suas palavras (1 Pedro 1:12), mencionam a expiação dos pecados colocando-os sobre uma pessoa ao invés de um animal. E em suas visões proféticas contemplam aquele que redimiria e libertaria a raça: “Como um cordeiro que é levado ao matadouro”, dizem que “o castigo que nos traz a paz estava sobre ele”, e que “pelas suas pisaduras fomos sarados”. Eles o pintam como “desprezado, e o mais rejeitado entre os homens, homem de dores, e experimentado nos trabalhos”; e declaram que “o SENHOR fez cair sobre ele a iniqüidade de nós todos”. (Isaías 53:3-6) Disseram aonde deveria nascer este libertador (Miquéias 5:2) e quando teria de morrer, assegurando-nos que não seria “por si mesmo”. (Daniel 9:26) Mencionavam várias peculiaridades concernentes à sua pessoa: Nos dizem que seria “justo” e livre de “engano”, da “injustiça” e de qualquer outra coisa digna de morte (Isaías 53:8, 9, 11); que seria vendido por trinta moedas de prata (Zacarias 11:12); que na sua morte seria contado com os transgressores (Isaías 53:12); que não seriam quebrados seus ossos (Salmo 34:20; João 19:36), e que ainda quando morresse não seria deixado na morte [seol, hades – IBB], nem o seu corpo experimentaria a corrupção. — Salmo 16:10; Atos 2:31 ARA.

Os escritores do Novo Testamento, com clareza e sem dar lugar à dúvida, mesmo na simplicidade, dão testemunho do cumprimento de todas estas predições em Jesus de Nazaré, e mostram com arrazoamentos lógicos que o preço do resgate que Ele deu, era necessário, segundo foi predito na Lei e nos Profetas, antes que os pecados do mundo pudessem ser apagados. (Isaías 1:18) Da maneira mais lógica e convincente traçam o plano inteiro, apelando, não aos preconceitos e às paixões daqueles que os escutavam, senão somente à sua razão esclarecida; também elaboram alguns dos arrazoamentos mais espantosamente exatos e concludentes que podem ser encontrados. Veja Romanos 5:17-19, e até o capítulo 12.

Não somente indicou Moisés na Lei um sacrifício, como também assinalou o perdão dos pecados e a bênção do povo por meio deste grande Libertador, cujo poder e autoridade, ele declarou que seriam maiores que os seus mesmo quando este seria “semelhante” a ele. (Deuteronômio 18:15-19) Além disso, podemos ver que o prometido Libertador à parte de abençoar a Israel, igualmente e por meio deste, abençoaria “todas as famílias da terra”. (Gênesis 12:3; 18:18; 22:18; 26:4) Apesar das predisposições dos judeus contra isto, os profetas continuavam pelo mesmo estilo, declarando que o Messias também seria posto “para luz das nações” Isaías 49:6; Lucas 2:32); que a ele virão as nações “desde as extremidades da terra” (Jeremias 16:19); que seria “grande entre as nações” o nome Dele (Malaquias 1:11), e que “a glória do SENHOR se manifestará, e toda a carne juntamente a verá.” — Isaías 40:5; 42:1, 7.

Os escritores do Novo Testamento alegam possuir uma unção divina que lhes facilita conhecer o cumprimento das profecias concernentes ao sacrifício de Cristo. Apesar dos preconceitos da raça judaica, a qual pensava que todas as bênçãos eram limitadas ao seu próprio povo (Atos 11:1-18), muito bem puderam compreender que além de ser abençoada sua nação, também junto com eles e por meio deles, serão benditas todas as famílias da terra. Perceberam também de que antes da bênção de Israel e do mundo um “pequeno rebanho” seria escolhido dentre os judeus e gentios, cujos membros, depois de serem provados, seriam achados dignos de serem co-herdeiros da glória e da honra desse GRANDE LIBERTADOR, participando com ele da honra de abençoar a Israel e a todas as demais nações. — Romanos 8:17.

Estes escritores assinalam a harmonia de tal ideia com o que está escrito na Lei e nos Profetas, e a grandeza e a amplitude do plano que eles apresentam, supera em todos os seus pontos a concepção mais elevada de que tal plano pretende ser: boas “novas de grande alegria, que o será para todo o povo”.

A perspectiva de que o Messias, além de Israel, regerá o mundo inteiro, é sugerida nos livros de Moisés e é o tema de todos os profetas. Nos ensinamentos dos apóstolos a ideia desse reino encontra um lugar destacado, e o mesmo Jesus nos ensinou a orar dizendo: “Venha o Teu reino”; ele também prometeu uma participação nesse reino aos que primeiro sofressem por causa da verdade provando assim ser dignos de participar nele.

Esta esperança do glorioso reino vindouro deu coragem a todos os fiéis para suportar, até a morte, todas as perseguições das quais se tornaram objeto; para sofrer as reprovações, as privações e todo tipo de perdas. Na grande profecia alegórica que finaliza o Novo Testamento, “digno é o Cordeiro, que foi morto” (Apocalipse 5:12), e os vencedores dignos os quais fará reis e sacerdotes em seu reino, junto com as provas e obstáculos os quais devem sobrepor-se para serem dignos de alcançá-lo, se acham fielmente descritos. Também se introduzem representações simbólicas das bênçãos que ao mundo este reinado Milenar trará, quando Satanás será preso, quando a tristeza e a morte adâmica serão extintas, e quando todas as nações da terra andarão na luz do reino celestial simbolizado pela Nova Jerusalém.

Do princípio ao fim a Bíblia sustenta a doutrina não encontrada em nenhuma outra parte, e em oposição às teorias de todas as religiões pagãs, de que a vida futura para os que tem deixado de existir virá por meio de uma RESSUREIÇÃO DOS MORTOS. Todos os escritores inspirados expressam sua confiança em um redentor; um deles declara que “na manhã” quando Deus os chama da sepultura e sairão, os maus não hão de ser estes os que regerão a terra, porque “os retos terão domínio sobre eles na manhã”. (Salmo 49:14, ARC) A ressurreição dos mortos é ensinada pelos profetas. Sobre ela os escritores do Novo Testamento baseiam todas as suas esperanças de bênçãos e de vida futura. Paulo se expressa como segue: “E, se não há ressurreição de mortos, também Cristo não ressuscitou. E, se Cristo não ressuscitou, logo é vã a nossa pregação, e também é vã a vossa fé… E também os que dormiram em Cristo estão perdidos… Mas de fato Cristo ressuscitou dentre os mortos, e foi feito as primícias dos que dormem… Porque, assim como todos morrem em Adão, assim também todos serão vivificados em Cristo.” —1 Coríntios 15:13-22.

Da mesma maneira que um relógio, cujas muitas engrenagens à primeira vista podem parecer supérfluas, mas que até as mais lentas são indispensáveis, a Bíblia, composta de muitas partes e preparada por muitos escritores forma um conjunto harmonioso e completo. Nenhuma de suas partes é supérflua, e ainda quando algumas tomam um lugar mais ativo e destacado que as outras, não obstante todas elas são úteis e essenciais. Hoje em dia entre os chamados “grandes teólogos”, e “pensadores avançados” têm chegado a estar na moda o ridicularizar ou se passar por alto a muitos dos milagres do Antigo Testamento, qualificando-os de “contos de velhas” ou de “fábulas”. Entre os milagres se encontram os relatos de Jonas e o grande peixe, Noé e a arca, Eva e a serpente, a parada do sol sob o comando de Josué e o incidente da jumenta de Balaão que falou. Aparentemente, estes homens sábios não estão inteirados de que a Bíblia está tão bem entretecida e tão bem unidas suas partes, que negar tais milagres ou desacreditá-los equivale a destruir e desacreditar tudo. Se o relato original é falso, aqueles que o repetiram foram impostores ou enganados, e em qualquer caso seria impossível aceitar seu testemunho como inspirado por Deus. Ao eliminar da Bíblia os milagres mencionados, seriam invalidados o testemunho dos principais escritores dela, inclusive o de nosso Senhor Jesus. A história da queda é atestada pelo Paulo (Romanos 5:17); este também atesta o engano de Eva pela serpente. (2 Coríntios 11:3; 1 Timóteo 2:14 — Veja a referência que nosso Senhor faz a isto em Apocalipse 12:9 e 20:2) A parada do sol durante a destruição dos amorreus, como demonstração do poder divino, evidentemente tipificava o poder que se exibirá no “dia do SENHOR” por aquele a quem Josué tipificava. Isto é corroborado por três profetas. (Isaías 28:21; Habacuque 2:1-3, 13, 14 e 3:2-11; Zacarias 14:1, 6, 7) O relato com referência a uma jumenta que falou está confirmado por Judas (versículo 11) e por Pedro (2 Pedro 2:16). Jesus o grande Mestre, confirma a narrativa de Jonas e o grande peixe, o mesmo se dá quanto ao relato de Noé e o dilúvio. (Mateus 12:40; 24:38, 39; Lucas 17:26; também 1 Pedro 3:20) Realmente, estes milagres não são maiores que os realizados por Jesus e seus apóstolos, tais como a transformação da água em vinho, a cura de enfermidades e etc., e quanto aos milagres, a ressurreição dos mortos é o mais maravilhoso de todos.

Estes milagres, ainda que nunca presenciados por nós, diariamente se acham paralelos ao nosso redor, mas sendo mais comuns, os deixamos passar inadvertidamente. A reprodução do organismo vivente tanto animal como vegetal, se encontra muito além da nossa faculdade de entendimento e de poder, e, portanto é um milagre. Podemos ver o exercício do princípio da vida, mas não somos competentes para entendê-lo nem produzi-lo. Plantamos duas sementes juntas; as condições, ar, água e terreno, são as mesmas; logo crescem, não podemos dizer como, nem tampouco o mais sábio filósofo pode explicar esse milagre. Estas sementes desenvolvem organismos de tendências opostas; uma delas produz uma planta que se arrasta, a outra, uma planta que cresce para cima e ereta, e apesar de serem as condições iguais, diferenciam-se em forma, cor, flores e produto. Tais milagres nos vêm a ser comuns, e no momento em que deixamos o assombro da infância, deixamos de considerá-los como extraordinários. Estes, não obstante, manifestam um poder que excede ao nosso, e sobrepuja a nossa inteligência limitada, o mesmo se dá quanto os poucos milagres registrados na Bíblia, levados a efeito com objetivos especiais, e como ilustrações intencionais da onipotência, e da habilidade do grande Criador para vencer cada obstáculo que impede o cumprimento de Sua vontade, ainda no tocante à prometida ressurreição dos mortos, ao extermínio do mal, e ao resultante perpétuo domínio da justiça.

Daremos por concluída a nossa pesquisa. A razão foi usada como pedra de toque para provar cada passo. Temos encontrado que há um Deus, um Criador inteligente e supremo no qual, em perfeita harmonia, se reúnem a sabedoria, o amor, a justiça e o poder. Nós percebemos que seria razoável esperar a revelação de Seus planos feita a Suas criaturas capazes de apreciá-los e interessarem-se neles. Encontramos dignas de serem consideradas as pretensões que fazem a Bíblia ser essa revelação. Examinamos seus escritores e seus possíveis objetivos, à luz do que eles ensinaram; temo-nos admirado, e a razão nos tem feito deduzir que tal sabedoria combinada com a pureza de motivos não foi o produto de homens astutos com fins egoístas. A razão nos indica como mais provável que semelhante retidão e benevolência de sentimentos e de leis provêm de Deus e não dos homens; e insiste em que estas não podem ter sido tramadas por sacerdotes mal intencionados. Temos visto a harmonia dos testemunhos concernentes a Jesus, a seu sacrifício expiatório, à ressurreição, e a todas as bênçãos que trará o glorioso reino vindouro; a razão nos leva à conclusão de que um plano tão grandioso e tão amplo, excedendo a tudo o que podíamos esperar e erigido sobre deduções tão razoáveis, deve ser o esperado Plano de Deus. Não pode ser puramente invenção humana, porque ainda depois de revelado pode dizer-se que é demasiado sublime para ser crido pelos homens.

Quando Colombo descobriu o rio Orenoco, alguém disse que havia encontrado uma ilha. Ele replicou: “Não pode vir semelhante rio de uma ilha. Essa torrente poderosa deve recolher as águas de um continente.” Assim a profundidade, a força, a sabedoria e o alcance dos testemunhos da Bíblia nos levam a convicção de que não foi o homem, mas o Deus Todo-Poderoso, o autor de seus planos e de sua revelação. Apenas às pressas temos examinado as evidências exteriores de sua origem divina; temos achado seu testemunho conforme a razão. Os estudos seguintes desdobrarão as diferentes partes do Plano de Deus, e confiamos que toda pessoa sincera há de encontrar neles amplas evidências de que a Bíblia é uma revelação divinamente inspirada, e que a largura, o comprimento, a altura e a profundidade do plano descrito nela, gloriosamente refletem o caráter divino até hoje vagamente compreendido, mas agora, mais facilmente distinguido à luz da aurora do Dia Milenar.


Nota: Este artigo extraído do Primeiro Volume dos Estudos das Escrituras publicado em português pela Associação dos Estudantes da Bíblia A Aurora—The Dawn


Associação dos Estudantes da Bíblia Aurora