DESTAQUES DA AURORA

Edição Especial

O Reino de Deus

A proeminência do tema—O caráter do Reino—O Reino durante a Era Evangélica—Idéias falsas corrigidas por Paulo—O resultado das falsas idéias acerca do Reino—As duas fases do Reino de Deus—A fase espiritual e sua obra—A fase terrestre e sua obra—A harmonia de suas operações—A glória da fase terrestre—A glória da fase celestial—O Pacto ou Aliança original do qual brotam estas ramificações—A fase terrestre do Reino será israelítica—As tribos perdidas—A Jerusalém Celestial—Israel, um povo típico—A perda e recuperação de Israel—As classes escolhidas—Os herdeiros do Reino—O Regime de ferro—Uma ilustração do objetivo do Reino Milenar—Entregue o Reino ao Pai—O Plano original de Deus concluído em sua totalidade.

TODO AQUELE QUE não tenha examinado cuidadosamente este tema com uma Concordância [ou Chave Bíblica] e a Bíblia na mão, ao fazê-lo ficará surpreso ao notar sua proeminência nas Escrituras. O Antigo Testamento é abundante em promessas e profecias nas quais o Reino de Deus, e seu Rei, o Messias, são figuras centrais. A esperança do todo israelita (Lucas 3:15) era de que como povo, Deus viesse a exaltar a sua nação sob o Messias, e quando o Senhor veio até eles, esperavam que fosse na qualidade de Rei, para estabelecer o prometido Reino de Deus sobre a terra.

João, o precursor e mensageiro do nosso Senhor, começou o seu ministério com o seguinte anúncio: “Arrependei-vos, porque é chegado o reino dos céus.” (Mateus 3:2) O Senhor começou o seu ministério exatamente com o mesmo anúncio (Mateus 4:17), e os apóstolos foram enviados para pregar a mesma mensagem. (Mateus 10:7; Lucas 9:2) Não somente foi o reino o tema com o qual o Senhor começou o seu ministério, mas também na realidade foi o ponto principal de toda sua pregação (Lucas 8:1; 4:43; 19:11), mencionando outros temas somente quando em conexão, ou explicando este mesmo assunto. A maioria de suas parábolas, ou ilustravam o reino sob diferentes pontos de vista, e em seus diferentes aspectos, ou serviram para indicar a consagração completa a Deus como sendo essencial para se ter parte no reino, e para corrigir um erro da parte dos judeus, que se julgavam seguros em obter o reino por serem filhos naturais de Abraão, e, por conseguinte, os herdeiros naturais das promessas.

Nosso Senhor em suas palestras com seus discípulos fortaleceu e alentou as esperanças deles num reino vindouro, dizendo-lhes: “E eu vos destino o reino, como meu Pai mo destinou, para que comais e bebais à minha mesa no meu reino, e vos assenteis sobre tronos, julgando [governando] as doze tribos de Israel.” (Lucas 22:29, 30) Também lhes disse: “Não temas, ó pequeno rebanho, porque a vosso Pai agradou dar-vos o reino.” (Lucas 12:32) E quando ao invés de ser coroado e entronizado, Aquele que eles reconheciam como rei, foi crucificado, os discípulos sofreram uma amarga decepção. Dois deles, depois da ressurreição do Senhor, se expressaram deste modo ao suposto forasteiro no caminho de Emaús, pois segundo suas palavras, eles haviam esperado “que fosse ele quem havia de redimir Israel”—libertando-os do jugo romano, e fazendo de Israel o Reino de Deus com poder e grande glória. Mas suas esperanças haviam sido frustradas pelos fatos contrários ocorridos poucos dias antes. Então Jesus lhes abriu o entendimento, provando-lhes com as Escrituras que seu sacrifício era necessário antes que o Reino pudesse ser estabelecido. —Lucas 24:21, 25-27

Deus poderia dar a Jesus o domínio da terra sem ter redimido o homem, porque “o Altíssimo domina sobre o reino dos homens, e o dá a quem quer”. (Daniel 4:32) Mas Deus tinha um desígnio superior do que podia ter-se realizado por meio de tal plano. Um reino em tais condições poderia trazer bênçãos que, apesar de boas, somente teriam sido de caráter temporário, porque a humanidade estava condenada a morte. Para tornar permanentes as bênçãos de seu reino, a raça primeiramente teria que ser resgatada da morte e assim ser libertada da condenação que caiu sobre todos por causa de Adão.

É evidente que ao explicar as profecias a seus discípulos, Jesus reviveu neles a esperança de um reino vindouro, pois ao deixá-los, perguntavam-lhe, dizendo: “Senhor, restaurarás tu neste tempo o reino a Israel?” Sua resposta, ainda que não muito explícita, não contradizia as suas esperanças. Ele respondeu-lhes: “Não vos pertence saber os tempos ou as estações [épocas–AL21], que o Pai estabeleceu pelo seu próprio poder.” —Atos 1:6, 7

Certamente que no princípio os discípulos, assim como a inteira nação judaica, abrigavam uma concepção imperfeita do Reino de Deus ao supor que este era exclusivamente um reino terrestre, do mesmo modo como agora muitos erram no sentido oposto ao supor que o reino é exclusivamente celestial. Muitas das parábolas e enigmas do nosso Senhor foram proferidos com a intenção de corrigir, no seu devido tempo, estas falsas idéias. Entretanto, Jesus sempre apresentou a ideia de um reino, um governo que se estabeleceria na terra para reinar entre os homens; não somente inspirou neles a esperança de que participariam do reino, mas também lhes ensinou a orar pelo seu estabelecimento: “Venha o teu reino, seja feita a tua vontade, assim NA TERRA como no céu”.

Para aqueles dentre os judeus que eram sábios, segundo a sabedoria mundana, Jesus lhes parecia um fanático e impostor, e consideravam os seus discípulos como vítimas de uma alucinação. Não podiam negar seu tato, sua sabedoria, nem seus milagres, nem eram competentes para dar uma explicação razoável da causa destes; no entanto, segundo seu ponto de vista incrédulo, as pretensões de ser Ele o herdeiro do mundo, que estabeleceria o reino prometido que haveria de governá-lo, e que seus discípulos, todos eles dentre as classes mais humildes do povo, estariam associados em seu governo, parecia algo demasiado absurdo para se dar alguma importância. Roma, com seus guerreiros disciplinados, seus generais treinados e sua imensa riqueza, era a senhora do mundo e diariamente seu poder aumentava. Quem era, pois este nazareno? Quem eram estes pescadores sem dinheiro nem influência, e só com um escasso séquito entre o povo? Que valiam estes para que falassem em estabelecer o reino por tão longo tempo prometido, o mais grandioso e cheio de poder que se conhecera na terra?

Os fariseus, querendo expor a suposta debilidade das pretensões do nosso Senhor, com o objetivo de desenganar aos seus discípulos lhes perguntaram: Quando começará a estabelecer-se o reino de que tu falas? Quando chegarão teus soldados? Quando aparecerá o reino de Deus? (Lucas 17:20-30) Se não tivessem sido tão preconceituosos contra ele, e cegados pela sua própria suposta sabedoria, a resposta do nosso Senhor lhes haveria dado uma nova ideia do assunto. Ele lhes fez presente que seu reino nunca apareceria da maneira que esperavam. O reino que Ele pregava, e para o qual convidava a seus discípulos para serem co-herdeiros, era invisível e não deviam abrigar a esperança de vê-lo. Respondeu-lhes: “O reino de Deus não vem com aparência exterior; nem dirão: Ei-lo aqui! ou: Ei-lo ali! pois o reino de Deus está [estará] entre vós.”* Ele simplesmente indicou que quando viesse o seu reino, este estaria presente e seria poderoso em toda a parte, mas que não seria visível em parte alguma. Assim, Ele lhes deu uma ideia do reino espiritual que pregava, porém não estavam preparados, e portanto não o receberam. Havia uma certa medida de verdade na expectativa dos judeus com respeito ao reino prometido, que conforme veremos, se realizará quando chegar o devido tempo. Entretanto, aqui o Senhor tão-somente se referia à fase espiritual do reino, a qual será invisível. E como esta fase do reino será a primeira a estabelecer-se, sua presença não será discernível, e por algum tempo passará despercebida. O privilégio de serem herdeiros nesta fase espiritual do Reino de Deus foi a única oferta que se fez então, e durante a Era Evangélica, que nesse tempo começou, tem sido a única esperança da nossa vocação. Por isso Jesus se referia exclusivamente a tal fase. (Lucas 16:16) Este ponto será mais fácil de entender à medida que avancemos em nosso estudo.

* Na Versão Almeida Revista e Atualizada e na Revisada (IBB) se lê “dentro de vós”, sendo que tal tradução é incorreta. A Versão Almeida Corrigida Fiel e Almeida Séc. 21 traduz esta parte “entre vós”. A Versão da CNBB traz: “no meio de vós”. As duas últimas expressões são sinônimas. Insistir que o reino que Jesus declarava como estando prestes a estabelecer-se e que este, por sua vez, estava dentro dos corações dos fariseus, os quais Ele qualificou como sepulcros caiados e hipócritas, seguramente não está de acordo com teoria alguma. Este reino, quando for estabelecido, estará “no meio de” ou “entre” todas as classes, governando e julgando a todos.

Provavelmente este sentimento público adverso, especialmente da parte dos fariseus, foi o que motivou Nicodemos a ter com Jesus, de noite, com o desejo de decifrar o mistério, mas, aparentemente envergonhado em reconhecer publicamente que tais pretensões teriam algum valor para ele. A conversação entre o Senhor e Nicodemos (João 3), ainda que registrada parcialmente, nos dá uma compreensão mais clara e profunda sobre o caráter do Reino de Deus. Evidentemente são mencionados somente os principais pontos da conversação, com o fim de que nos demos conta dela em sua totalidade. Podemos parafraseá-la como segue:

Nicodemos—“Rabi, sabemos que és mestre vindo de Deus, pois ninguém pode fazer estes sinais (milagres) que tu fazes, se Deus não estiver com ele.” Contudo, algumas de tuas palavras me parecem muito inconsistentes, e venho pedir-lhe uma explicação. Por exemplo, tu e teus discípulos têm proclamado: “É chegado o reino dos céus”, mas não tens um exército, nem riquezas, nem influência, e segundo todas as aparências, essa é uma falsa pretensão, a qual dá lugar a crermos que enganas o povo. Os fariseus em geral o consideram como impostor, mas eu estou seguro de que deve haver algo de verdade em teus ensinos, “pois ninguém pode fazer estes sinais que tu fazes, se Deus não estiver com ele”. O objetivo de minha visita é o de perguntar-lhe: De que classe é, e de onde vem este reino que tu proclamas? Quando e de que maneira será estabelecido?

Jesus—Teu pedido para obter uma informação completa referente ao reino dos céus não pode agora ser atendido para sua satisfação. Não que eu não esteja plenamente certo de todos os seus detalhes, mas na tua atual condição, não poderias entendê-la ou apreciá-la ainda que te expusesse em sua totalidade. “A menos que o homem não seja gerado* do alto, não pode ver [grego—eidom**—conhecer ou familiarizar-se com] o reino de Deus.”

* A palavra grega gennao (e seus derivados) que algumas vezes é traduzida por gerado e outras vezes por nascido, realmente abrange ambas as idéias, e deveria ser traduzida por qualquer uma destas duas palavras portuguesas, segundo o sentido da passagem na qual ocorra. As duas idéias, gerar e nascer, estão sempre presentes na palavra, de tal modo que ao se usar uma [gerar], sempre que implica na outra [nascer], visto que o nascimento é a consequência natural da geração (ou engendramento), e a geração é o antecedente natural do nascimento. Quando o agente ativo com o qual se associa gennao é masculino, deve ser traduzido por gerado; quando é feminino, por nascido. Exemplos: 1 João 2:29; 3:9; 4:7; 5:1, 18. Nestas passagens gennao deveria ser traduzido por gerado, visto que Deus (masculino) é o agente ativo.

Entretanto, algumas vezes a tradução depende da natureza do ato, quer seja, masculino ou feminino. Isto é ilustrado nos casos em que se usa de modo conjunto com ek, que significa de; neste caso deveria traduzir-se por nascido. Em João 3:5, 6, gennao deveria ser traduzido por nascido, visto que ocorre a palavra ek—“da água”, “da carne”, “do espírito”.

** Esta mesma palavra grega é traduzida por considerar em Atos 15:6 nas versões ACF, ARC, IBB: “Congregaram-se, pois, os apóstolos e os anciãos para considerar [examinar, ARA] este assunto”. A mesma palavra é traduzida por considerai em Romanos 11:22 na versão ARA (‘considera’, ACF; AL; IBB): “Considera [conheça, entenda], pois a bondade e a severidade de Deus”; também em 1 João 3:1: “Vede [considere; saibas, entenda] quão grande amor nos tem concedido o Pai”.

Os meus discípulos até agora ainda têm apenas idéias vagas sobre o caráter do reino que estão proclamando. Não posso explicar a ti, e pelo mesmo motivo eles não podem entendê-lo.

Todavia, Nicodemos, uma particularidade do proceder de Deus é a de que antes de dar mais luz, Ele demanda obediência de acordo com a luz já possuída, e na seleção daqueles que hão de ser considerados dignos de participar do reino, é requerido da parte destes uma manifestação de fé. Estes devem sentir-se dispostos a ser, passo a passo, guiados por Deus, ainda que frequentemente não possam discernir com clareza, senão apenas um passo a frente deles. Estes andam pela fé e não pela vista.

Nicodemos—Não te entendo. O que queres dizer? “Como pode um homem nascer, sendo velho? Pode, porventura, pode tornar a entrar no ventre de sua mãe e nascer?” Acaso queres dizer que o arrependimento pregado por João, o Batista, expresso pelo batismo na água, é um nascimento simbólico? Vejo que os seus discípulos pregam e batizam de modo similar. É este novo nascimento necessário para aqueles que desejariam ver ou entrar no teu reino?

Jesus—Nossa nação é uma nação consagrada, tem um pacto [aliança]. Quando saíram do Egito, na nuvem e no mar, todos foram batizados em Moisés. Deus os aceitou em Moisés, o mediador desse pacto no Sinai; mas eles têm se olvidado do seu pacto, pois alguns estão levando uma vida de publicanos e pecadores, e muitos outros são hipócritas que a si mesmos se consideram justos, e por isso a pregação de João e de meus discípulos é o arrependimento—voltar-se para Deus e reconhecer o pacto feito; o batismo de João significa este arrependimento e reforma de coração e de vida, mas não é o novo nascimento. A menos que tenham mais do que isto, não poderás ver o Reino. Verás o meu Reino se além da reforma simbolizada pelo batismo de João, receberes a geração e nascimento do espírito. O arrependimento te porá de novo numa condição justificada, e nessa condição, facilmente me reconhecerás como o Messias, tipificado por Moisés e se a mim te consagrares, serás gerado pelo Pai a uma nova vida, para a natureza divina, a qual sendo desenvolvida e vivificada, dará por resultado que, na primeira ressurreição, nasças como uma nova criatura, um ser espiritual. Como tal, não somente hás de ver, mas também tomarás parte no Reino.

A mudança que efetuará este novo nascimento do espírito é verdadeiramente grande Nicodemos, pois o que é nascido da carne é carne, e o que é nascido do Espírito é espírito. Não te surpreendas visto que primeiro te disse que tens que ser gerado do alto antes que possas entender, saber e apreciar as coisas espirituais das quais tu perguntas. “Não te maravilhes de te ter dito: Necessário vos é nascer de novo.” Muito marcante é a diferença entre a tua condição presente, nascido da carne, e a condição desses nascidos do Espírito, que entrarão ou constituirão o Reino que apregoo. Para que possas ter uma ideia dos seres que constituirão este reino, quando houverem nascido do Espírito, te darei uma ilustração: “O vento assopra onde quer, e ouves a sua voz; mas não sabes de onde vem, nem para onde vai; assim é todo aquele que é nascido do Espírito.” Serão como o vento que sopra aqui e ali e tu não podes vê-lo, ainda quando ele exerça uma influência ao teu redor. Esta é a melhor ilustração que posso te dar acerca dos que nascerão do Espírito na ressurreição, aqueles que “entrarão” ou constituirão o Reino o qual apregoo atualmente. Serão invisíveis como o vento, e os não nascidos do Espírito, serão incapazes em se darem conta donde vêm e para onde vão.

Nicodemos—Como pode ser isso?—seres invisíveis!

Jesus—“Tu és mestre de Israel, e não sabes isto?” Não sabes que os seres espirituais podem estar presentes e ainda assim invisíveis? Tu que procuras ensinar a outros, nunca lestes acerca de Eliseu e seu servo, ou sobre a jumenta de Balaão, e muitos outros incidentes em que as Escrituras ilustram o princípio, de que os seres espirituais podem estar presentes sobre os homens, e, no entanto invisíveis? Além disso, tu és dos fariseus, os que professam crer em anjos como seres espirituais. Entretanto, isto confirma o que te disse no princípio: A menos que o homem seja gerado do alto, não pode ver [conhecer, familiarizar-se com, entender de uma maneira razoável] o Reino de Deus nem as várias coisas com ele relacionadas.

Se queres entrar e ser co-herdeiro comigo nesse reino que te anuncio, passo a passo deves seguir a luz. Ao fazê-lo assim, mais luz te será dada tão prontamente conforme te achares preparado para recebê-la. Estou te apregoando as coisas que podes entender e que são para serem entendidas agora, estou levando a cabo milagres, me reconheces como um Mestre, vindo de Deus, mas não tens agido conforme esta fé, não tens tornado-te publicamente meu seguidor e discípulo. Não deves esperar ver mais até que faças segundo o que tens visto; então Deus te dará luz e maiores demonstrações de seu favor para que possas dar o seguinte passo. “Na verdade, na verdade te digo que nós dizemos o que sabemos e testificamos o que vimos; e [vós fariseus] não aceitais o nosso testemunho! Se vos falei de coisas terrestres, e não crestes, como crereis, se vos falar das celestiais?” Me seria inútil tentar falar-te das coisas celestiais, pois não te convenceriam, e a minha narração te pareceria cada vez mais tola. Se isto que tenho ensinado, que é de caráter terrestre, o qual tenho ilustrado com coisas terrestres, que estão ao teu alcance e podes entender, não tem tido o poder de convencer-te até o ponto em que abertamente venhas a tornar-se meu discípulo e seguidor, não te seriam mais convincentes as coisas celestiais caso te falasse delas, porque não as conheces, e como nenhum homem subiu ao céu, ninguém poderia corroborar meu testemunho. Eu, somente, eu que tenho descido do céu, posso entender as coisas celestiais. “Ora, ninguém subiu ao céu, senão o que desceu do céu, o Filho do homem.”* Somente depois de ser gerado do Espírito é que se pode ter um conhecimento das coisas celestiais, e estas podem ser usufruídas apenas pelos seres nascidos do Espírito, como seres espirituais.

* Nota: As palavras “que está no céu” que aparecem em algumas versões (João 3:13) não se encontram nos manuscritos mais antigos e fidedignos.

Vemos que ao explicar a natureza do reino aos que por suas predisposições e educação, não podiam ter mais do que opiniões errôneas, acerca da fase terrestre dele, requeria-se paciência da parte do Senhor. Entretanto, a eleição da classe do povo apropriado, para participar no reino do Messias prosseguia, ainda que somente uns poucos foram os escolhidos de Israel, a quem tal oferta foi oferecida, de modo exclusivo, por sete anos. Como Deus havia previsto, por causa de sua falta de preparação para ele, e falhando em compreender e cumprir as condições exigidas, como nação, foi-lhes tirado o privilégio de participar no reino do Messias, havendo-o aproveitado somente um número reduzido; logo foi apresentado aos gentios, para tomar dentre eles também “um povo para o seu Nome”. Dentre estes, igualmente, só um número reduzido, “um pequeno rebanho”, apreciam tal privilégio, e são contados dignos de serem co-herdeiros de seu reino e de sua glória.

Muito sério tem sido o erro introduzido na Igreja cristã nominal, a qual, segundo o seu modo de entender, se refere simplesmente à Igreja nominal em sua condição presente, e que sua obra é apenas uma obra da graça nos corações dos crentes. Este erro tem chegado a tal extremo, que a presente e ilegítima aliança da Igreja nominal com o mundo é considerada por muitos como o Reino de Deus na Terra. É certo que num certo sentido, a Igreja é agora o Reino de Deus, e que tem sido levado a efeito uma obra da graça nos corações dos crentes; mas crer que isto é tudo, e negar que um verdadeiro e futuro Reino de Deus ainda está para estabelecer-se debaixo de todo o céu, no qual se fará a vontade de Deus assim como é feita no céu, é anular e invalidar as mais diretas e destacadas promessas que, para nosso consolo e auxílio em vencer o mundo, nos foram dadas, a saber, por meio do Senhor, dos apóstolos e dos profetas.

Nas parábolas do Senhor, a Igreja frequentemente é denominada como o reino, e o Apóstolo quando disse que Deus nos tirou do poder das trevas, e nos transportou para o reino do seu Filho amado, falava acerca dela como o reino sobre o qual Cristo agora reina. Nós, os que agora aceitamos a Cristo, reconhecemos que ele tem comprado o direito do domínio, e transbordamos de regozijo e voluntariamente lhe rendemos homenagem e obediência antes que à força o estabeleça no mundo. Reconhecemos a diferença que existe entre as leis justas que Ele implantará, e as deste reino tenebroso que tem estabelecido o usurpador, agora príncipe deste mundo. A fé nas promessas de Deus transfere nossa submissão e lealdade; reconhecemo-nos como súditos do novo Príncipe, e, por meio de sua graça e de seu favor, como sendo co-herdeiros com Ele nesse reino ainda por estabelecer-se com poder e grande glória.

Mas isto de maneira alguma anula as promessas de que finalmente o reino de Cristo será “de mar a mar, e desde o rio até as extremidades da terra” (Salmo 72:8) que todos os domínios o servirão, e lhe obedecerão, e que diante dele se dobrará todo joelho dos que estão nos céus, e na terra. (Daniel 7:27; Filipenses 2:10) Antes, ao contrário, a presente seleção do “pequeno rebanho” confirma essas promessas.

Ao examinar cuidadosamente as parábolas do Senhor, se verá claramente que ensinam como acontecimento futuro a vinda ou estabelecimento do Reino de Deus com poder, e por suposto, não tendo lugar senão até depois da chegada do Rei. Isto pode ser visto na parábola de certo homem nobre que partiu para uma terra longínqua a fim de tomar posse de um reino e depois voltar, etc. (Lucas 19:11-15), a qual claramente localiza o estabelecimento do Reino na segunda vinda de Cristo. E muitos anos depois, a mensagem enviada pelo Senhor à Igreja foi: “Sê fiel até a morte, e dar-te-ei a coroa da vida.” (Apocalipse 2:10) Disto, logicamente se infere que os reis que hão de estar associados com Ele quando se estabelecer o reino, não serão coroados nem reinarão nesta vida.

Portanto, a Igreja no tempo presente não é o Reino de Deus estabelecido em poder e grande glória, mas somente o é em seu estado incipiente e embrionário. Tal fato é indicado por todos os textos do Novo Testamento que se referem a este ensino. Até agora, o reino dos céus é tomado à força por parte do mundo; ao Rei maltrataram-no e crucificaram-no, e todos os que seguem os seus passos, de uma maneira ou de outra, padecerão perseguições e violência. Observamos, porém, que isto é um fato certo apenas acerca da Igreja verdadeira, mas não da nominal. Não obstante, nos é feita a promessa de que se nós (a Igreja, o reino em embrião) sofrermos com Cristo, quando no tempo oportuno Ele tomar para si o seu grande poder e começar a reinar, seremos glorificados e com Ele também reinaremos.

Tiago (2:5), em harmonia com o ensino do nosso Senhor, nos disse que Deus tem escolhido os que são pobres e desprezados segundo o modo de julgar do mundo, não para que agora reinem, mas como “herdeiros do reino que prometeu”. O Senhor disse: “Quão dificilmente entrarão no reino de Deus os que têm riquezas!” (Marcos 10:23) É evidente que Ele não deu a entender como sendo o reino a Igreja nominal, a qual está reinando agora com o mundo, visto que os ricos são forçados a entrar nela. Aos herdeiros do reino, Pedro exorta à paciência, à perseverança, à virtude e à fé dizendo-lhes: “Portanto, irmãos, procurai mais fazer cada vez mais fazer firme a vossa vocação e eleição; porque, fazendo isto, nunca jamais tropeçareis. Porque assim vos será amplamente concedida a entrada no reino eterno de nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo.” —2 Pedro 1:10, 11

Alguns creem que as palavras de Paulo em Romanos 14:17 se referem a um reino figurativo, mas quando são examinadas juntamente com o contexto, se manifesta claramente que essa passagem simplesmente significa o seguinte: Irmãos, nós, os que temos sido transportados para o reino do Filho amado de Deus, temos certos direitos quanto ao alimento e outras coisas, liberdades que não gozávamos como judeus sob a lei (verso 14); no entanto, melhor não aproveitarmos estas liberdades se são motivos de tropeço ou entristecem a consciência dos irmãos que ainda não se deram conta dessas liberdades. Ao fazer uso de nossas liberdades, não venhamos a dar margem para causar dano a nosso irmão por quem Cristo morreu, mas lembremos de que os privilégios do reino, tanto agora quanto no futuro, consistem em maiores bênçãos do que a liberdade quanto ao alimento; tais bênçãos são a nossa liberdade relativamente quanto a fazermos o bem, termos paz com Deus, por nosso Senhor Jesus Cristo, e nossa alegria de participarmos do Espírito Santo de Deus. Estas liberdades do reino (agora e sempre) são tão grandiosas que as menores liberdades referentes ao alimento, podem muito bem ser sacrificadas, quando for necessário, em benefício de um irmão.

De maneira que não importa sob que ponto de vista bíblico olhemos este assunto, encontramos as Escrituras contradizendo a idéia de que as promessas do reino são apenas enganosas e míticas, ou que as condições atuais são o cumprimento destas promessas.

Para a Igreja primitiva, as promessas de honra, e de serem co-herdeiros com Cristo, serviram de estímulo para que permanecessem fiéis sob as angústias e perseguições que de antemão se lhes havia dito que encontrariam; entre as palavras animadoras e cheias de consolo que se encontram no Apocalipse sendo dirigidas às sete igrejas, as seguintes se sobressaem em esplendor e doçura: “Ao que vencer, eu lhe concederei que se assente comigo no meu trono; assim como eu venci, e me assentei com meu Pai no seu trono.” “Ao que vencer, eu lhe darei poder sobre as nações”.

Estas promessas não podem ser entendidas como se referindo a uma obra da graça que agora está sendo efetuada no coração; tampouco se referem a um reino sobre as nações na vida presente; porque os que serão vencedores terão que sê-lo morrendo no serviço, para que possam ganhar assim as honras do reino. —Apocalipse 20:6

Quão certo é que a natureza humana procura evitar o sofrimento e está sempre disposta a apoderar-se da honra e do poder; por isso que encontramos, mesmo no tempo dos apóstolos, alguns membros da Igreja estarem prontos para apropriar-se, na vida presente, das promessas de honra e poder futuros, e começarem a agir como se já houvesse chegado o tempo para que o mundo honrasse e obedecesse a Igreja. O apóstolo Paulo escreve corrigindo este erro, sabendo que tais idéias teriam um efeito prejudicial sobre a Igreja, cultivando o orgulho e apartando-a do caminho do sacrifício. Disse-lhes ironicamente: “Já estais fartos! já estais ricos! sem nós reinais!” E logo com ardor acrescenta: “E quisera reinásseis para que também nós (os perseguidos apóstolos) viéssemos a reinar convosco!” (1 Coríntios 4:8) Estavam gozando do privilégio de serem cristãos tratando de obter do cristianismo, e com o cristianismo, toda a honra possível. O Apóstolo sabia muito bem que se eles continuassem fiéis como seguidores do Senhor, não se encontrariam em tal condição. Portanto, ele lhes lembrou que se na verdade houvesse chegado o reino por tão longo tempo esperado, então ele se encontraria reinando tanto quanto eles, e que o fato de que ele, por causa de sua fidelidade estava sofrendo pela verdade, provava que o reinado deles era prematuro, e um laço, em vez de ser algo do qual devessem se vangloriar. Logo, com um toque irônico acrescenta: “Nós (apóstolos e fiéis seguidores) somos loucos por amor (causa) de Cristo, e vós sábios em Cristo; nós fracos, e vós fortes; vós ilustres, e nós vis [desprezíveis].” Não escrevo estas coisas meramente para vos envergonhar, mas tenho um objetivo maior e mais nobre—PARA VOS ADMOESTAR; pois o caminho de honras agora não conduz à glória nem à imortalidade que há de ser revelada. Somente o sofrimento e a abnegação de si mesmo, constituem o caminho apertado à glória, e à honra, e à imortalidade e o privilégio de serem co-herdeiros com Cristo no reino. Exorto-vos, portanto, a que vos torneis meus imitadores. Sofrei, sede injuriados e perseguidos agora para que comigo possais participar da coroa da vida, a qual o Senhor, o justo Juiz, me dará naquele dia; e não somente a mim, mas também a todos os que amarem a sua vinda [“aparecimento”—NTJ]. —1 Coríntios 4:10-17; 2 Timóteo 4:8

Mas, depois que a Igreja primitiva havia sofrido fielmente muitíssimas perseguições, as teorias de que a missão da Igreja era a de conquistar o mundo, estabelecer o reino dos Céus sobre a Terra, e reinar sobre todas as nações antes da segunda vinda do Senhor, começaram a ser propagadas. Isto serviu de fundamento para a intriga mundana, a pompa, o orgulho, a ostentação e as cerimônias da Igreja, com a intenção de impressionar, cativar, e inspirar temor no mundo, passo a passo conduzindo-a até as grandiosas alegações proferidas pelo Papado, visto que sendo eles o reino de Deus sobre a terra, teriam o direito de exigir o respeito e a obediência as suas leis e aos seus agentes, em todas as nações, tribos e povos. Sob esta falsa alegação (e aparentemente lograram enganar-se tanto a si mesmos como aos demais), o Papado por algum tempo coroava e descoroava os reis por toda a Europa, e ainda hoje em dia pretende ter essa autoridade, apesar de achar-se agora incapacitado para pô-lo em prática.

O Protestantismo tem seguido a mesma ideia do Papado, pois também pretende, ainda que de uma maneira mais vaga, que de algum modo o reinado da Igreja siga progredindo. Do mesmo modo que os coríntios, seus aderentes já estão fartos! Já estão ricos! E já chegaram a reinar! Como tão graficamente os descreve o nosso Senhor! (Apocalipse 3:17, 18) Tal coisa tem acontecido até ao ponto extremo em que os membros nominais da Igreja os não realmente convertidos, que não são trigo na realidade, mas antes joio, a imitação do trigo excedem grandemente o número dos verdadeiros discípulos de Cristo. Estes, decididamente se opõem à abnegação e ao sacrifício verdadeiros, e não querem sofrer perseguições pelo amor da justiça [pela verdade]. No mais, por pura formalidade, praticam certos tipos de jejum, e coisas do estilo. Na realidade, estão reinando com o mundo, e não estão preparando-se para participar no verdadeiro reino, que será estabelecido pelo nosso Senhor em sua segunda presença.

Qualquer observador cuidadoso se dará conta da manifesta incongruência entre esta opinião e os ensinos de Jesus e dos apóstolos. Eles ensinaram que não pode haver reino antes que venha o Rei. (Apocalipse 20:6; 3:21; 2 Timóteo 2:12) Consequentemente, o reino dos céus deve sofrer violência até esse tempo, em que será estabelecido com poder e grande glória.

As Duas Fases do Reino de Deus

Ainda que certamente como disse nosso Senhor, que o Reino de Deus não vem não faz sua primeira aparição—com aparência exterior, entretanto, no tempo oportuno, por meio de sinais externos, visíveis e inequívocos, será manifesto a todos. Quando se estabelecer por completo, consistirá de duas partes, a fase espiritual ou celestial e a humana ou terrestre. A fase espiritual sempre será invisível aos homens, visto que aqueles que hão de formá-la serão da natureza divina, espiritual, a qual nenhum dos homens tem visto, nem pode ver (1 Timóteo 6:16, IBB; João 1:18), mas, seu poder e sua presença serão grandiosamente manifestados principalmente por meio de seus representantes humanos, os que constituirão a fase terrestre do Reino de Deus.

Os santos vencedores da Era Evangélica—o Cristo, Cabeça e corpo—serão os que hão de compor a fase espiritual do reino, ao serem glorificados. Sua ressurreição e exaltação ao poder, irá preceder a de todos os demais, porque por meio desta classe todos os outros serão abençoados. (Hebreus 11:39, 40) A deles é a primeira ressurreição. (Apocalipse 20:5)* A grandiosa tarefa que empreenderá esta gloriosa companhia ungida—o Cristo—requer a sua exaltação à natureza divina; unicamente o poder divino poderá levá-la a término; sua obra será não somente relacionada com este mundo, mas também com todas as coisas no céu e na terra, tanto entre os seres espirituais como entre os humanos. —Mateus 28:18; Colossenses 1:20; Efésios 1:10; Filipenses 2:10; 1 Coríntios 6:3

* Neste versículo (ARA) as palavras “os restantes dos mortos não reviveram até que se completassem os mil anos”, são espúrias. Não se encontram nos manuscritos gregos mais antigos e de maior crédito, tais como o Sinaítico e o Vaticano Nºs. 1209 e 1160; tampouco se encontram no manuscrito Siríaco. Devemos lembrar que muitas passagens que se encontram nas cópias mais recentes [dos mss. gregos] são interpolações que não pertencem apropriadamente à Bíblia. Visto que é ordenado que não acrescentemos nada à Palavra de Deus, é nosso dever repudiar tais interpolações tão logo se comprove o seu falso caráter. As palavras indicadas provavelmente foram introduzidas no texto acidentalmente, no quinto século, visto que nenhum manuscrito de data anterior (quer seja grego, quer seja siríaco) contém esta cláusula. Provavelmente no princípio foram apenas um comentário marginal escrito por algum leitor, tentando dar sua opinião acerca do texto, e assim foi acrescentado ao texto por algum transcritor subseqüente que não soube distinguir entre o texto e o comentário.

Entretanto, o repúdio desta cláusula não é essencial ao “Plano” que aqui se apresenta, porque o restante dos mortos—o mundo em geral—no pleno sentido da palavra, no sentido em que Adão viveu antes de pecar caindo sob a sentença “morrendo morrerás”, não viverá outra vez até o final dos mil anos. A vida perfeita, sem debilidades e nem agonia, é o único sentido em que Deus reconhece a palavra vida. Segundo seu ponto de vista [de Deus], o mundo inteiro tem perdido a vida, e pode ser considerado mais apropriadamente como estando morto do que vivo. —2 Coríntios 5:14; Mateus 8:22

A palavra ressurreição (do grego anastasis) significa levantamento. Com referência ao homem, significa levantá-lo à condição da qual caiu, para a plena perfeição da virilidade que perdeu por causa de Adão. A perfeição da qual nossa raça caiu, será a perfeição por meio da qual gradualmente será soerguida durante a Era Milenar, o tempo da restituição ou ressurreição (levantamento). A Era Milenar não é apenas uma era de prova, mas também de bênçãos, na qual, por meio da ressurreição ou restituição da vida, tudo o que foi perdido será restaurado àqueles que adquirirem conhecimento e lhes for apresentada a oportunidade de deleitosamente obedecerem. O processo da ressurreição será gradual, e exigirá toda essa era para o seu pleno cumprimento; ainda que o despertar para o usufruto de certa medida de raciocínio e vida, como os atuais, venha a ser possivelmente instantâneo. Por conseguinte, será apenas após os mil anos terem terminado quando a raça virá a obter a plena medida de vida que perdeu em Adão. E visto que, tudo que não é vida perfeita se considera como estando numa condição de morte parcial, deduzimos que apesar de não serem autênticas as palavras em discussão, seria estritamente verdadeiro dizer, que o restante dos mortos não viverá outra vez (não voltarão a obter a plenitude de vida que perderam) até que os mil anos de restituição e bênção sejam completados.

A tarefa da fase terrestre do Reino de Deus será limitada a este mundo e à humanidade. Os que hão de ser tão altamente honrados para tomar parte nela, serão os mais exaltados e glorificados por Deus entre os homens. Estes compõem a classe da qual se faz referência no estudo VIII (Pág. 145, O Plano Divino das Eras), cujo dia do juízo foi antes da Era Evangélica. Havendo sido provados e achados fiéis, ao serem despertados não serão conduzidos de novo ao juízo, mas imediatamente receberão a recompensa de sua fidelidade—instantaneamente serão ressuscitados à perfeição humana (todos os demais fora destes e da classe espiritual, serão gradualmente levantados até a perfeição durante a Era Milenar). De modo que a referida classe estará pronta desde então, para sua grande tarefa, como agentes humanos de Cristo na obra de restaurar e abençoar o restante da humanidade. Assim como a natureza espiritual é necessária para levar a termo a obra de Cristo, igualmente, a natureza humana perfeita é apropriada para a futura execução do trabalho que será realizado com os homens. Estes ministrarão entre os homens e poderão ser vistos por eles, ao mesmo tempo em que a glória de sua perfeição será um exemplo constante e um incentivo para que os demais procurem obter a mesma perfeição. O fato de que estes dignos da antiguidade [ou antigos dignos] se encontrarão na fase humana do reino, e que serão vistos pela humanidade, é testemunhado pelas palavras de Jesus dirigindo-se aos descrentes judeus que o rejeitavam; quando lhes disse: Vereis “no reino de Deus, Abraão, Isaque, Jacó, e todos os profetas”. Não devemos passar por alto o fato de que o Mestre não fez menção, de que ele mesmo, ou os apóstolos seriam vistos juntamente com Abraão. Os homens poderão ver e misturar-se com a fase terrestre do reino, mas não com a espiritual, e é bem seguro, que muitos se sentirão bastante mortificados, por haverem desprezado tão grande honra.

Não nos é fornecida informação explícita quanto à maneira exata em que operarão harmoniosamente estas duas fases do reino celestial; no entanto, nos tratos de Deus com Israel, por meio de seus representantes, Moisés, Arão, Josué, os profetas, etc.—temos uma ilustração da maneira em que possivelmente operarão, ainda que as manifestações futuras do poder divino excederão em muito as dessa era típica, porque a obra da era vindoura abrange o despertar de todos os mortos e a restauração dos obedientes à perfeição. Esta obra exigirá o estabelecimento de um governo perfeito entre os homens, com homens perfeitos nos postos do poder, para que possam dirigir os negócios do Estado de uma maneira benéfica, e apropriada. Será necessário também pôr em ação adequadas conveniências educacionais, assim como várias medidas filantrópicas. E esta nobre tarefa de elevar a raça de tal maneira, a passos certos e firmes (sob a direção dos membros espirituais invisíveis do mesmo reino), é a alta honra designada para os dignos da antiguidade, e para tal desempenho, virão preparados tão logo finalize a demolição, dos reinos do mundo, e Satanás, seu príncipe, tenha sido amarrado. Então como representantes do reino celestial, divinamente enaltecidos e honrados, receberão a honra e a cooperação de todos os homens.

A obtenção de um lugar na fase terrestre do reino de Deus será o auge de todos os desejos e aspirações legítimas do coração humano perfeito. A partir do momento em que se entre na possessão de tal lugar, esta será uma porção gloriosa e satisfatória. Além disso, a glória irá acumulando-se à medida que o tempo avance e que a bendita tarefa progride. E quando, no fim dos mil anos, o Cristo (ajudado em grande escala pela ação destes nobres colaboradores humanos) houver levado a termo a grandiosa obra da restituição; quando a inteira raça humana (com exceção dos incorrigíveis (Mateus 25:46; Apocalipse 20:9) se encontrar na presença de Jeová, aprovada, sem mácula, nem ruga, nem qualquer coisa semelhante, estes que serviram como instrumentos para levar à conclusão tal obra resplandecerão “como as estrelas sempre e eternamente” (Daniel 12:3) entre os demais homens, diante de Deus, de Cristo e dos anjos. Sua obra de amor jamais será esquecida pelos seus gratos companheiros. Ficarão eternamente na memória. —Salmo 112:6

Mas, por maior que seja a crescente glória desses homens perfeitos, que constituirão a fase terrestre do reino, a glória dos que constituem a fase celestial a sobrepujará. Ainda que por toda a eternidade os primeiros venham a resplandecer como as estrelas, os outros resplandecerão como o fulgor do firmamento —como o sol. (Daniel 12:3) Tanto as honras da terra, como as honras do céu, serão postas aos pés do Cristo. A mente humana pode ter uma ideia aproximada, mas não pode claramente conceber a glória que por inumeráveis eras da eternidade há de ser revelada em Cristo. —Romanos 8:18; Efésios 2:7-12

Por meio destas duas fases do reino será cumprida a promessa feita a Abraão: “Em ti e em tua descendência serão benditas todas as famílias da terra”. “Multiplicarei a tua descendência como as estrelas do céu, e como a areia que está na praia do mar” —uma descendência espiritual, e uma descendência terrestre, ambas usadas por Deus como instrumentos para abençoar o mundo. As duas fases das promessas foram claramente vistas por Deus e por Ele designadas desde o princípio, mas somente a terrestre foi discernida por Abraão. Ainda que Deus escolhesse dentre a descendência natural os principais da classe espiritual (os apóstolos e outros), e oferecesse a bênção principal, a espiritual, a todos os do povo de Israel que viveram no tempo oportuno para a vocação celestial, tudo isto foi favor sobre favor, muito mais de que Abraão pôde discernir acerca do Pacto [ou Aliança].

Em Romanos 11:17 o apóstolo Paulo fala acerca do pacto com Abraão como sendo a raiz donde o Israel carnal cresceu naturalmente, mas na qual os crentes gentios foram enxertados quando os ramos naturais foram quebrados por causa da incredulidade. Isto prova o cumprimento dobrado da promessa em desenvolvimento das duas descendências, a terrestre (humana) e a celestial (espiritual) que constituirão as duas fases do reino. Este pacto original tem duas ramificações, das quais cada uma, em sua ressurreição, dará o seu fruto perfeito ainda que diferentes as classes humana e espiritual, no poder do reino. Na ordem do desenvolvimento, os que hão de ser governantes na fase terrestre foram primeiro preparados; em seguida os da fase celestial; mas na ordem de grandeza de posição e de tempo da instalação no ofício, serão primeiro os espirituais, e em seguida os terrestres. Entretanto muitos que são primeiros serão últimos; e muitos que são últimos serão primeiros. —Mateus 19:30; Lucas 16:16

A promessa feita a Abraão, da qual Estevão faz referência em Atos 7:5, e na qual Israel confiava, era terrestre, referente à terra. Disse Estevão que Deus “prometeu que lha daria em possessão”. Disse Deus a Abraão: “Levanta agora os teus olhos, e olha desde o lugar onde estás, para o lado do norte, e do sul, e do oriente e do ocidente; porque toda esta terra que vês, te hei de dar a ti, e à tua descendência, para sempre. E farei a tua descendência como o pó da terra; de maneira que se alguém puder contar o pó da terra, também a tua descendência será contada. Levanta-te, percorre essa terra, no seu comprimento e na sua largura; porque a ti a darei.” (Gênesis 13:14-17) Estevão indica que esta promessa terá que se cumprir quando declara que apesar de Deus haver oferecido a Abraão a terra “nela não lhe deu herança, nem sequer o espaço de um pé”.

O Apóstolo ao escrever acerca desta mesma classe de dignos da antiguidade—Abraão e outros—confirma a declaração feita por Estevão de que a promessa feita a Abraão ainda não se cumpriu; depois assegura que essas promessas terrestres não podem cumprir-se, e nem se cumprirão até que sejam levadas a termo as superiores promessas celestiais referentes ao Cristo (Cabeça e corpo). Disse que todos estes morreram na fé, contudo não alcançaram a promessa [“não obtiveram, contudo, a concretização da promessa”—ARA]; visto que Deus provera alguma coisa melhor a nosso respeito [o Cristo], para que eles, sem nós, não fossem aperfeiçoados. (Hebreus 11:13, 39, 40) Deste modo é indicado outra vez que o Redentor e Restaurador é espiritual, havendo ofertado o humano como sacrifício por todos; também é indicado que desta classe espiritual, que será enaltecida soberanamente, hão de emanar todas as bênçãos, ainda que para isso a alguns lhes seja concedida a honra de serem instrumentos ou agentes. —Romanos 12:1; Gálatas 3:29

Desta forma nos damos conta de que a fase terrestre do reino será israelítica. E em torno deste fato positivo estão reunidas as numerosas profecias, que se relacionam com a proeminência dessa nação no plano de Deus para a futura bênção do mundo, quando seu tabernáculo, agora jazendo no pó, será reedificado, e Jerusalém será posta por objeto de louvor em toda a terra. Tanto os profetas como os apóstolos dizem claramente que quando chegarem os tempos da restauração, dentre todas as nações, Israel será a primeira que virá a estar em harmonia com o novo estado de coisas, que a Jerusalém terrestre será reedificada sobre suas antigas ruínas, e que seu governo, como no princípio, estará sob juízes ou príncipes. (Isaías 1:26; Salmo 45:16; Jeremias 30:18) E razoavelmente, que mais poderia se esperar, senão que Israel se regozijasse primeiramente ao reconhecer os patriarcas e os profetas? Acaso poderia esperar-se menos, em vista de que seu conhecimento da lei, e de sua prolongada disciplina debaixo desta, os tivesse preparado para a submissão e obediência nesse tempo em que o reino será estabelecido com grande autoridade? E quando, segundo nos é informado, Israel for a primeira das nações que será reconhecida e abençoada, também está escrito que “Jeová salvará primeiro as tendas de Judá”. —Zacarias 12:7, TB

Não consideramos a importância de entrarmos em discussão com respeito ao lugar onde se tem de buscar as “tribos perdidas de Israel”. Alguns alegam que essas “tribos perdidas” genealogicamente constituem certas nações civilizadas dos nossos dias. Pode ser que isto seja certo, como também pode ser que não o seja. Ainda que algumas das provas que são apresentadas não careçam de fundamento, porém, em geral não são mais que inferências e conjecturas. E ainda que se possa demonstrar de modo claro e convincente que algumas das nações civilizadas são descendentes das tribos perdidas, isto não provaria ser vantagem alguma para eles sob a “celestial” “soberana vocação” visto que desde sua rejeição como nação, não se faz distinção alguma entre judeu e grego; escravo e livre. Se tais conjecturas chegarem a ser comprovadas (pois ainda não são), estariam em perfeita harmonia com as profecias e as promessas referentes a essa nação que ainda estão à espera de seu cumprimento, durante e sob a fase terrestre do reino.

O apego natural, assim como certa medida de persistente confiança nas promessas que por tanto tempo têm esperado, junto com todos os seus preconceitos naturais serão muito favoráveis a uma pronta e geral aceitação dos novos governantes por parte de Israel. Do mesmo modo, o costumeiro hábito de obediência, em certo grau, à lei, também lhes será favorável com o objetivo de rapidamente pô-los em harmonia com os princípios do novo governo.

Assim como Jerusalém, sob o reino típico de Deus, foi a capital do império, novamente ela ocupará o mesmo posto e será “a cidade do grande Rei”. (Salmo 48:2; Mateus 5:35) Uma cidade simboliza um reino ou domínio, e assim o Reino de Deus é simbolizado pela Nova Jerusalém, o novo domínio descendo desde o céu até a terra. Primeiramente consistirá somente da classe espiritual, a Esposa de Cristo, a “Noiva adornada”, que gradualmente assim como João a viu, irá descendo do céu, isto é, gradualmente irá estabelecendo-se no poder à medida que os governos do tempo presente venham a ser esmiuçados no dia do Senhor. Entretanto, no tempo oportuno, a fase terrestre desta cidade ou governo será estabelecida, e será constituída pelos dignos da antiguidade. Não haverá duas cidades (governos), mas uma só, um governo celestial, aquela cidade esperada por Abraão: “A cidade que tem fundamentos”—um governo estabelecido conforme a justiça, fundado sobre a rocha firme da justiça de Cristo o Redentor, sobre o preço do resgate que ele deu pelo homem, e sobre a firmeza da justiça divina, a qual agora não pode condenar o homem redimido do mesmo modo como anteriormente também não pôde escusar o culpado. —Romanos 8:31-34; 1 Coríntios 3:11

Gloriosa cidade de Paz! Cujos muros oferecem asilo, Salvação e bênçãos a todos os que nela entram, cujos fundamentos, firmemente colocados sobre a justiça, nunca serão abalados, cujo arquiteto e edificador é Deus! Sob o luminoso esplendor dos gloriosos raios que emanam desta cidade (reino) de Deus, as nações (os gentios) andarão pelo caminho santo, até chegarem à perfeição e estarem em plena harmonia com o Criador. —Apocalipse 21:24

Quando, como já temos visto, no final do Milênio os da humanidade alcançarem a perfeição, serão admitidos como membros do Reino de Deus, e como foi designado no princípio, lhes será dado o domínio absoluto da terra, sendo cada homem um soberano um rei. Isto claramente é demonstrado na simbólica profecia de João (Apocalipse 21:24-26*). Em sua visão não apenas viu as nações andando à luz da gloriosa cidade, mas também viu os reis entrar nela em glória, não podendo entrar ali coisa alguma ou pessoa contaminada. Ninguém que anteriormente não tenha sido plenamente provado, ninguém que ame ou pratique o engano e a injustiça, poderá chegar a ser identificado com essa cidade ou governo; somente àqueles os quais o Cordeiro reconhece como dignos da vida eterna, dirá: “Vinde, benditos de meu Pai, possuí por herança o reino que vos está preparado”.

* No versículo 26 a palavra “honra” foi acrescentada.

Portanto, apesar que certamente a cidade de Jerusalém será reedificada e que provavelmente chegará a ser a capital do mundo, devemos nos lembrar de que muitas das profecias que mencionam Jerusalém, juntamente com sua glória futura, se referem sob esse símbolo, ao Reino de Deus que há de ser estabelecido com grande esplendor.

Com respeito à futura glória da fase terrestre do reino, a qual se acha representada sob o nome de Jerusalém, os profetas falando em ardorosos termos, clamam: “Clamai cantando, exultai juntamente, desertos de Jerusalém; porque o SENHOR (Jeová) consolou o seu povo, remiu a Jerusalém.” “Porque eis que crio para Jerusalém uma alegria, e para o seu povo gozo”. “Regozijai-vos com Jerusalém, e alegrai-vos por ela, … e vos deleiteis com a abundância da sua glória. Porque assim diz o SENHOR: Eis que estenderei sobre ela a paz como um rio, e a glória dos gentios [nações —IBB] como um ribeiro que transborda”. “Naquele tempo chamarão a Jerusalém o trono do SENHOR; e todas as nações se ajuntarão a ela”. “E irão muitos povos e dirão: Vinde, subamos ao monte [reino] do SENHOR, à casa do Deus de Jacó, para que nos ensine os seus caminhos, e andemos nas suas veredas; porque de Sião [a fase espiritual] sairá a lei, e de Jerusalém (a fase terrestre) a palavra do SENHOR.” —Isaías 52:9; 65:18; 66:10-12; Jeremias 3:17; Isaías 2:3

Ao levarmos em conta as mui preciosas promessas de bênçãos futuras feitas a Israel, e enquanto esperamos o cumprimento exato destas para esse povo, é bom lembrar que como povo são tanto típicos, como também propriamente reais. Num aspecto são típicos da humanidade inteira; e seu Pacto [ou Aliança] da Lei—“obedecei e vivereis”—era típico do Novo Pacto [ou Aliança] que será estabelecido com o mundo durante o Milênio e as eras vindouras.

O sangue da expiação debaixo do seu pacto típico, e o sacerdócio que o espargia sobre os que compunham essa nação, tipificavam o sangue do Novo Pacto [ou Aliança] e o Sacerdócio Real, o qual, durante o milênio do reino de Cristo na terra, fará uso desse sangue para purificar e abençoar todo o mundo. De modo que seu sacerdócio tipificava o Cristo, e a nação de Israel tipificava todos aqueles por quem o sacrifício verdadeiro foi efetivado, e sobre quem as verdadeiras bênçãos hão de ser derramadas—“todos os homens”, “todo o mundo”.

Lembremo-nos também ainda que as bênçãos futuras, do mesmo modo que com as bênçãos do passado, serão primeiro para os judeus, e em seguida para os gentios. Apenas no que diz respeito ao tempo é que os judeus terão a prioridade do favor divino; e isto como já indicamos, será a conseqüência natural de sua experiência anterior sob a Lei, e que no tempo oportuno terá cumprido seu propósito designado de trazê-los a Cristo. Ainda que no primeiro advento apenas um pequeno número deles foram conduzidos a Cristo por meio da Lei, todavia, os trará como povo no segundo advento, e como povo serão as primícias dentre as demais nações. Finalmente, todas as bênçãos prometidas a Israel, com exceção das pertencentes às classes escolhidas, serão não somente cumpridas para com eles, mas também receberão o cumprimento tipificado—sobre todas as famílias da terra. Debaixo desse governo, Deus “recompensará cada um segundo as suas obras;… glória, porém, e honra e paz a qualquer que pratica o bem; primeiramente ao judeu e também ao grego; porque, para com Deus, não há acepção de pessoas”. —Romanos 2:6, 10, 11

O apóstolo Paulo nos chama a atenção especialmente à certeza das promessas de Deus a Israel no futuro; também indica os favores que perderam por causa de sua incredulidade, e os que, todavia, ainda são certos. Diz: O que Israel busca isso não o alcançou—o principal lugar na graça e no serviço divinos—por causa do orgulho, de sua incredulidade e dureza de coração. Paulo não se refere aqui a todas as gerações de Israel, desde o tempo de Abraão, mas às gerações existentes na primeira vinda. Suas palavras também poderiam ser aplicáveis a todas as suas gerações que têm vivido durante a Era Evangélica, a era em que o favor principal tem sido oferecido—a vocação celestial para participarem da natureza divina e serem co-herdeiros com Cristo. Israel, como povo, não reconheceu e nem se apegou a este favor. E ainda que Deus, por meio do Evangelho, visitou os gentios e chamou muitos dentre eles, estes, assim como o Israel carnal deixarão de receber o prêmio celestial. Não obstante, uma classe, um remanescente, um pequeno rebanho, dentre todos os que têm sido chamados, dá atenção ao chamamento, e por meio do sacrifício e da obediência, fazem firme a sua vocação e eleição. Assim, o que Israel como povo não obteve, e aquilo que a Igreja cristã nominal também deixa de obter, será dado à classe escolhida, o fiel “corpo de Cristo”—eleito ou escolhido (segundo a presciência de Deus pela santificação do espírito e fé na verdade. —2 Tessalonicenses 2:13; 1 Pedro 1:2

Mas ainda quando Israel, por haver rejeitado o Messias, tenha perdido toda esta graça especial, todavia, Paulo mostra que isto não prova que eles foram inteiramente cortados da graça de Deus, porque ainda tinham o mesmo privilégio desfrutado pelo resto da humanidade, de serem enxertados em Cristo e de receber os favores espirituais, se ao ouvirem o chamado, o aceitavam com fé; porque, como afirma Paulo, Deus é poderoso para os enxertar novamente, como que enxertando os ramos do zambujeiro, quer mostrem-se dispostos, não permanecendo na incredulidade. —Romanos 11:23, 24

Além disso, Paulo argumenta que apesar de Israel haver perdido a bênção principal, “o que buscava”, o lugar mais proeminente no reino de Deus, entretanto, ainda está para serem cumpridas grandes promessas que neles serão levadas a termo, pois Paulo raciocina que, os dons e as vocações, os pactos e as promessas de Deus, não passarão sem se cumprirem. Deus, que conhece o fim desde o princípio, sabia que Israel rejeitaria o Messias, e em vista disso, as inequívocas promessas que lhes fez, nos dão a garantia de que Israel ainda há de ser usado no serviço de Deus, como agência ou canal para abençoar o mundo, embora “o que Israel busca, isso não o alcançou”—o favor principal. Em seguida Paulo demonstra que as promessas que Deus pactuou com Israel eram de tal natureza que não assinalavam definitivamente se como povo seriam a descendência celestial ou a terrestre—se herdariam e seriam instrumentos para cumprir as promessas superiores ou inferiores. Deus manteve em segredo o superior favor espiritual até o tempo oportuno, e as promessas feitas a eles mencionavam somente os favores terrestres, embora também os tenha favorecido brindando-lhes com a primeira oportunidade de obter esse favor espiritual, concedendo-lhes desta maneira mais daquilo que foi prometido. Resumindo: As promessas celestiais estavam ocultas nas terrestres.

Estas promessas, disse Paulo, não podem falhar, e, portanto, o fato de que a primeira oferta deste favor oculto foi a Israel, e cegamente este o rejeitou, em nenhum grau anula ou invalida o outro caráter da promessa. Por causa disso, Paulo disse que, ainda que Israel como nação tenha sido rejeitada durante o tempo em que a Noiva de Cristo é eleita dentre judeus e gentios, entretanto, chegará o dia em que havendo-se completado o Libertador (o Cristo, Cabeça e corpo), o favor divino retornará ao Israel carnal, e o glorioso libertador desviará de Jacó* as impiedades; e assim todo Israel será salvo [recobrado ao favor], assim como está escrito pelo profeta. As palavras do Apóstolo são como segue:

* Na Bíblia o Israel espiritual jamais é denominado sob o nome de “Jacó.” Este nome aplica-se ao Israel carnal.

“Porque não quero, irmãos, que ignoreis este segredo (para que não presumais de vós mesmos): que o endurecimento veio em parte sobre Israel, até que a plenitude dos gentios haja entrado; [até que se tenha completado o número total de escolhidos dentre os gentios]. E assim todo o Israel será salvo, como está escrito: ‘De Sião virá o Libertador [o Cristo, Cabeça e corpo], e desviará de Jacó as impiedades (a impiedade ou incredulidade)’; ‘e esta será a minha aliança com eles, quando eu tirar os seus pecados.’ Assim que, quanto ao evangelho, são inimigos por causa de vós; mas, quanto à eleição, amados por causa dos pais. Porque os dons e a vocação de Deus são sem arrependimento [irrevogáveis—AL21]. Porque assim como vós [gentios] também antigamente fostes desobedientes a Deus, mas agora alcançastes misericórdia pela desobediência deles, assim também estes agora foram desobedientes, para também alcançarem [às mãos da Igreja glorificada] misericórdia pela misericórdia a vós demonstrada. Porque Deus encerrou a todos debaixo da desobediência, para com todos usar de misericórdia. [Compare Romanos 5:17-19]. Ó profundidade das riquezas, tanto da sabedoria, como da ciência de Deus!” —Romanos 11:25-33

Os Herdeiros do Reino

“Quem subirá ao monte [o reino — o termo montanha é usado como símbolo do reino] de Jeová? E quem estará no seu santo lugar [o templo]? Aquele que é limpo de mãos e puro de coração.” —Salmo 24:3, 4, TB

A cidade de Jerusalém encontrava-se edificada sobre o cume de uma montanha—um cume duplo, porque o vale de Tiropeom a dividia em duas partes. Mas, era uma só cidade rodeada por um muro e suas duas partes unidas por meio de pontes. Sobre um destes cumes estava edificado o Templo. Pode-se entender isto como símbolo da união das qualidades reais e sacerdotais da Igreja glorificada, o Reino de Deus sob suas duas fases—o templo espiritual, não de origem humana, mas de uma nova natureza, espiritual (Hebreus 9:11) unido, mas ao mesmo tempo separado da fase terrestre.

Parece que Davi se refere aos dois lugares. Estar na cidade era considerado uma honra, mas muito maior honra era ascender ao santo templo, para o sagrado recinto no qual só os sacerdotes podiam entrar. Davi indica que a pureza de vida e sinceridade de coração são muito necessárias para todo aquele que deseja alcançar quaisquer destas honras. Os que desejam pertencer ao Sacerdócio Real são exortados a serem puros, da mesma maneira que o Sumo Sacerdote da nossa confissão é puro, para que deste modo possam ser considerados dignos de serem seus co-herdeiros. E todo aquele que nele tem esta esperança, purifica-se a si mesmo, assim como Ele é puro. Conforme já temos indicado, esta é a pureza de propósito, a qual é reconhecida em nós como uma pureza efetiva, por ser imputada em nós a pureza de Cristo, a qual, enquanto nos esforçamos para não andar segundo a carne, mas segundo o espírito, supre nossas inevitáveis fraquezas e nos compensa pelas nossas inevitáveis debilidades.

Mas não nos esqueçamos de que a pureza, a sinceridade e a completa consagração a Deus são essenciais por parte de todo aquele que desejar entrar no Reino de Deus em qualquer das duas fases. Este foi o caso com os dignos da antiguidade, aqueles que sob Cristo, herdarão a fase terrestre do Reino. Eles amavam a justiça e odiavam a iniquidade; ficavam contristados e demonstravam arrependimento quando chegavam a ser surpreendidos em algum delito, ou quando tropeçavam por causa de alguma fraqueza ou contínua tentação. Da mesma maneira têm acontecido com os fiéis da Era Evangélica, e assim irá suceder-se com todos os da Era Milenar, quando o Espírito de Deus, o espírito da verdade, for derramado sobre toda a carne. Os vencedores dessa era também necessitarão esforçar-se para desenvolver a pureza de coração e de vida, se, sob o plano de Deus, quiserem obter o direito de entrar na cidade—no reino preparado para eles desde a fundação do mundo—o domínio original restaurado.

O Regime de Ferro

Erroneamente muitos estão imaginando que quando for inaugurado o Reino Milenar de Cristo todos se sentirão satisfeitos sob seu governo. Esse não será o caso. Seus regulamentos serão muito mais estritos do que os de governos anteriores, e as liberdades do povo serão mais restringidas até ao ponto em que, na verdade, será irritante para muitos que agora estão clamando por mais liberdade. Será restringida por completo a liberdade para enganar, para fazer acusações falsas, para burlar e defraudar os outros. Será absolutamente negada a eles a liberdade quanto a abusar ou fazer outros abusarem no que diz respeito à comida e bebida, e igualmente quanto a corromperem os bons costumes, em qualquer grau. A ninguém será concedida a liberdade ou licença para praticar o mal de qualquer espécie. A única liberdade que será concedida será a verdadeira liberdade da glória dos filhos de Deus—a liberdade para fazer todo o bem que podem em benefício de si mesmos e de outros, mas não se permitirá nada que faça dano ou que cause destruição nesse Santo Reino. (Isaías 11:9; Romanos 8:21) Por conseguinte, muitos serão da opinião que esse governo é muito severo e que por completo está deitando por terra todos os seus hábitos e costumes anteriores, ao mesmo tempo em que realiza a demolição das atuais instituições fundadas sobre estes maus costumes e falsas idéias de liberdade. Por causa de sua firmeza e vigor, é simbolicamente qualificado [na Bíblia] como um regime de ferro—“E com vara de ferro as regerá”. (Compare Apocalipse 2:26, 27; Salmo 2:8-12; 49:14) Assim se cumprirão as palavras: E farei do juízo a linha de medir e da justiça, o prumo; e a saraiva [justos juízos] varrerá o refúgio da mentira, e as águas [a verdade] inundarão o esconderijo”, e tudo que está oculto será conhecido. —Isaías 28:17, AL21; Mateus 10:26

Muitos se rebelarão contra esse governo perfeito e equitativo porque no passado, sob o governo do atual príncipe, estavam acostumados a dominar sobre os demais mortais e a viver completamente às custas de outros, sem render serviço algum em compensação. Aqueles que têm gasto sua vida em nada mais do que satisfazer o mais simples desejo e capricho, naturalmente serão castigados com muitos açoites antes que possam aprender as lições desse reino a igualdade, a justiça e a retidão. (Salmo 89:32; Lucas 12:47, 48) Num tempo que já está perto, esta lição será ensinada primeiramente à geração vivente. —Tiago 5

Que bênção é imaginar que quando o Príncipe da vida, sob o seu regime de ferro, colocar em vigor as leis da justiça e equidade, toda a raça humana se dará conta de que “a justiça exalta os povos, mas o pecado é a vergonha das nações”. (Provérbios 14:34) Chegarão ao conhecimento de que as leis e os planos de Deus são os melhores para todos, e finalmente aprenderão a amar a justiça e odiar a iniquidade. (Salmo 45:7; Hebreus 1:9) Todos os que sob esse reinado não aprenderem a amar o bem, serão considerados como indignos de vida eterna, e, portanto serão exterminados dentre o povo. —Atos 3:23; Apocalipse 20:9; Salmo 11:5-7

O Reino Será Eterno

“Jeová será rei sobre toda a terra naquele dia”. (Zacarias 14:9, TB) O reino que Deus estabelecerá nas mãos de Cristo durante o milênio do reino de Cristo na Terra será o reino de Jeová, mas estará sob a direção e controle de Cristo como representante de Jeová, muito semelhante à maneira em que o governo dos Estados Unidos tratou os Estados do Sul depois da rebelião. Durante certo tempo não lhes permitiu governar-se a si mesmos, elegendo os seus próprios mandatários, para evitar que se negassem a cumprir as leis constitucionais da União; em troca, e com o propósito de reconstruir o governo desses Estados, trazendo-os em sujeição e em completa harmonia com o governo central, foram nomeados e empossados diante deles, governadores investidos de plenos poderes. Da mesma maneira será o governo espiritual de Cristo sobre os assuntos da Terra, operando por um tempo limitado e com um propósito determinado, chegando a seu término tão logo se tenha levado a cabo esse propósito. Por causa de sua rebelião, o homem perdeu os direitos concedidos por Deus, entre os quais se contava o de autonomia ou governo próprio, em harmonia com as leis divinas. Por meio de Cristo, Deus redimiu para o homem estes mesmos direitos, e lhe assegurou o privilégio não apenas de tornar a seu primeiro estado, mas ao mesmo tempo, recobrar o seu posto anterior como rei da Terra. Entretanto, a tarefa de conduzir o homem ao seu estado original, conforme o desígnio de Deus, para que do modo mais apropriado possível fiquem impressas as lições que foram adquiridas sob as experiências atuais, requerendo também a sua cooperação para que venha a esforçar-se todo o modo possível para efetivar o seu próprio recobro, exige um governo estrito e perfeito. E esta honra de completar o recobro do homem é conferida a Cristo, aquele que, por meio de sua morte, adquiriu esse direito, e que há de reinar: “Porque convém que reine até que haja posto a todos os inimigos debaixo de seus pés”—até que deixe de existir qualquer um que não reconheça, honre e renda obediência ao seu governo. Logo, havendo completado sua missão no tocante à reconstrução ou restituição da humanidade, Ele entregará o reino a Deus o Pai, e então a humanidade, como no princípio, se entenderá diretamente com Jeová, tendo sido realizada a plena e completa reconciliação pela mediação do homem Cristo Jesus. —1 Coríntios 15:25, 24-28

Quando o reino for entregue ao Pai, continuará sendo o Reino de Deus, e as leis serão sempre as mesmas. Toda a humanidade, então perfeitamente restaurada, estará em condições de render obediência absoluta e perfeita tanto na letra como no espírito. Tudo o que o homem pode fazer agora é demonstrar o espírito de obediência e esforçar-se para observar a lei de Deus. A plena letra dessa lei perfeita os condenaria imediatamente à morte se deixassem de render absoluta obediência. (2 Coríntios 3:6) Nossa aceitabilidade agora é unicamente por meio do resgate provido.

Até à verdadeira perfeição, “horrenda coisa é cair nas mãos do Deus vivo”. (Hebreus 10:31) Nem agora nem antes de se obter a absoluta perfeição, nenhum ser poderá estar em pé diante da lei estrita de justiça; todos nós necessitamos da misericórdia livremente provida sob o mérito e sacrifício de Cristo. Mas quando Cristo entregar o Reino ao Pai, Ele os apresentará sem mancha alguma, capacitados e capazes de usufruir a eterna felicidade sob a lei perfeita de Jeová. Todo temor haverá então desaparecido, e Jeová e suas criaturas restauradas, estarão em perfeita harmonia como no princípio.

Quando, no fim da Era Milenar, Cristo entregar o domínio da Terra ao Pai, o fará entregando-o à humanidade como representantes do Pai, pois desde o princípio foi designado para que eles tivessem esta honra. (1 Coríntios 15:24; Mateus 25:34) Desse modo, o Reino de Deus durará para sempre. Por isso lemos as palavras do Senhor: “Então dirá o Rei aos que estiverem à sua direita [os que, no transcurso do reino Milenar, por meio de sua harmonia e obediência tenham alcançado a posição de favor]: Vinde, benditos de meu Pai [vós a quem meu Pai quer abençoar desta maneira], possuí por herança o reino que vos está preparado desde a fundação do mundo.”

Esta honra e este reino preparados para o homem, não deve ser confundido com esse reino e honra ainda mais superiores preparados para o Cristo, os quais “Deus preordenou antes dos séculos para nossa glória” (1 Coríntios 2:7, AL21), para a qual fomos escolhidos em Cristo antes da fundação do mundo. E apesar de que, conforme vimos, a intervenção especial e o reinado do Cristo sobre a Terra terminarão, não devemos chegar à conclusão de que o domínio, a glória e o poder do Cristo cessarão a partir de então. Não; Cristo para sempre estará associado com toda a glória e poder divinos à mão direita do favor de Jeová; e sua Esposa e co-herdeira participará eternamente da sua crescente glória. Não nos empenharemos em fazer aqui conjecturas com respeito à execução das maravilhosas obras, que em outros mundos estão à espera do poder deste enaltecido agente de Jeová; apenas chamamos a atenção quanto à infinidade da atividade do poder divino, e da imensidão do universo.

Certamente, não importa em que fase do reino se concentre nosso interesse, esse reino será “o desejado de todas as nações”, porque todas as nações hão de ser abençoadas debaixo dele. De modo que todos podem desejar ardentemente a chegada desse tempo, e todos podem muito bem orar: “Venha o teu reino, seja feita a tua vontade, assim na terra como no céu.” Por este reino, em sua ignorância e cegueira, enquanto geme sob o peso da dor, toda a criação por longo tempo está à espera aguarda com ardente expectativa a revelação dos filhos de Deus, e o reino que por completo há de aniquilar o mal para em troca curar e abençoar todas as nações. —Romanos 8:19; 16:20


Nota: Este artigo extraído do Primeiro Volume dos Estudos das Escrituras publicado em português pela Associação dos Estudantes da Bíblia A Aurora—The Dawn


Associação dos Estudantes da Bíblia Aurora